Sem conseguir dormir, decidi virar artista.
Levantei, fui na sala e li rapidinho uma notícia sobre Alex Katz. Falei "uau", uma e meia da manhã nem é tão tarde e decidi virar artista também.
A primeira idéia era pegar um bocado de folha branca, um canetão, sentar lá no quarto e desenhar no escuro. Canetão sem funcionar, desisti.
Lembrei do potinho velho de nanquim e do pincel "duro", daqueles que secaram sem limpar, "irreversíveis". Panhei os dois, cortei metade das cerdas (?) do pincel, abri meia página de jornal em cima da mesa da sala e com o pescoço todo duro comecei o processo.
Pinga pra cá, espirra pra lá, nascia ali um novo Matisse, um Picassinho insone e sem jeito. Lembranças do mar, figuras fantásticas, cenas da infância... nada disso passou pela minha cabeça. Todo travado, medo de sujar tudo, desenhava só rosto, menos chance de dar errado.
Feliz com uma ou outra cabecinha, trombei no potinho que caiu em cima do jornal. Uh, caralho, jornal é fino, busquei um pano, veja multiuso, acordei o papagaio. Passei o pano rapidinho, dei uma lambrecada mas o veja consertou. Só que na vorta, percebi que o potinho agora tinha caído em outro lugar...
Desde pequeno eu lembro daquele paninho de crochê. Mesa de madeira, um vasinho e um paninho daqueles embaixo: maravilha. Nanquim selvagem, pulava de pedacinho em pedacinho, a mancha crescendo... Desespero, sentei a mão no troço pra estancar a sangria, enchi as unhas de tinta, pus no colo que nem um filhote de tatu machucado. Levei pro tanque, abri a torneira, acordei todos os canários e espalhei com maestria o resto do nanquim, mapa de Portugal virou
Rússia.
Barulheira, catei tudo que não prestava (pincel e potinho de ex-nanquim...), lixo. Pus os desenhos que gostei em cima da mesa, esperei dar uma secadinha andando de um lado pro outro, fiz um xixi, voltei, pus tudo dentro dum caderno de jornal pro meu pai não ver espalhado de manhã e fui tentar dormir, duas e meia.
as figurinhas estão no opa
9.10.03
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