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AOL - 18:53 - 19/03/2004
As loucas baladas dos paulistinhas endinheirados

Ecstasy, cocaína, maconha, champanhe, sexo grupal e muita arrogância. A reportagem da AOL acompanhou uma balada da "Geração $", formada por filhos da alta sociedade paulistana

Por Rodrigo Brancatelli

A estudante de Administração Nicole*, de 21 anos, estará daqui a algumas horas desmaiada em um quarto do Hospital Alvorada, na zona sul de São Paulo, com a sua calça Gucci suja de vômito e com um cateter na veia por meio do qual ela receberá altas quantidades de glicose para rebater o efeito do excesso de álcool. Nicole mal irá se lembrar de, no espaço de horas, ter fumado dois cigarros de maconha, tomado um ecstasy na forma de coração e outro na forma das orelhas do Mickey Mouse, bebido uma garrafa inteira de champanhe Möet et Chandon e ter feito sexo com dois garotos que nunca viu na vida.

“Comigo tem que ser assim mesmo. Tudo aos extremos”, diz a garota, filha de um conhecido empresário do ramo têxtil. “Gosto de dar para um monte de caras, de misturar Prozac com champanhe, de cheirar cocaína até meu nariz sangrar. E não me importo com a sua opinião moralista, típica da classe média. Tenho dinheiro suficiente para não me preocupar com você ou com mais ninguém. A minha felicidade está na minha conta bancária”, dizia ela ao repórter enquanto se preparava para a balada.

Nicole faz parte de uma geração escancaradamente frívola e preconceituosa, formada por filhos de gente muito rica. É a “Geração $”, como eles gostam de se definir. Têm a vida inteira pela frente e nenhuma preocupação com assuntos que assombram outras pessoas, como falta de dinheiro ou necessidade de escolha de uma profissão para ganhar a vida. 

“Eu sou o tipo de pessoa que os pobres e a classe média odeiam porque posso torrar R$ 5 mil em um vestido para usar apenas uma vez e depois encostá-lo no armário”, diz Nicole ao repórter. “Não consigo ficar assistindo tevê em casa ou trabalhando em algum escritório estúpido na frente de um computador. Estou acima disso tudo. O dinheiro dos meus pais me possibilita curtir a vida sem preocupações e sem falsos moralismos”.

Enquanto fala da vida, Nicole manda o motorista do seu Mercedes preto se apressar. O relógio Armani no pulso, avaliado em R$ 2 mil, avisa que já passa das 23h e todos seus amigos devem estar esperando furiosos na frente da Disco – conhecida como a balada mais cara e restrita de São Paulo, no bairro de Vila Olímpia, zona Sul da cidade. É sábado à noite, e a noite de São Paulo nem imagina o que Nicole e seus endinheirados colegas vão aprontar.

“Demorei porque a besta da empregada esqueceu de passar a minha calça Gucci”, brinca a garota com os amigos ao descer do carro. “Definitivamente não dá para confiar em pessoas de cabelo pixaim.” Fernanda, filha de um banqueiro que mora no Rio de Janeiro, ri escandalosamente da observação da amiga Nicole. Além de compartilhar da visão do mundo, as duas são fisicamente parecidas. Morenas, baixinhas e superproduzidas. “Empregada é uma droga mesmo”, diz a carioca de 20 anos que largou recentemente a faculdade de Publicidade e ainda não decidiu o quê estudará a seguir. Ela veste um modelito exclusivo assinado pelo estilista Alexandre Herchcovitch. “Todas as empregadas são ignorantes. É por isso que elas têm de ganhar salário mínimo.”

Fernanda está acompanhada de mais três meninas que aparentam ter a mesma idade e de dois garotos já mais velhos, com mais ou menos 25 anos. Todos têm pais ilustres – duas são filhas de empresários bem sucedidos, a outra é herdeira de um fazendeiro do interior paulista, o garoto loiro é filho de político. Apenas um deles é uma incógnita. Seu nome é Carlos, e sua origem nunca foi colocada em discussão pelos colegas. “Um dia apareceu do nada em uma balada, dirigindo um Porshe Boxter e com muitos ecstasys no bolso. Não precisou explicar de onde vem para ser incluído na turma” explica Nicole.

A fila na frente da Disco começa a aumentar, mas uma nota R$ 50 na mão do segurança é o suficiente para que Nicole e seus amigos a furem. A entrada custa R$ 70 para homens e R$ 35 para mulheres, mas eles desembolsam mais R$ 100 cada um apenas para ter direito a sentar em uma mesa. “Somos VIP’s, merecemos tratamento diferenciado”, diz Fernanda, enquanto abre uma garrafa de champanhe Möet et Chandon – a primeira de sete que serão consumidas na noitada.

Ali na mesa, fica mais fácil para Carlos disfarçar uma carreira de cocaína que prepara na frente de todo mundo. Os amigos brincam que ele tem o nariz nervoso, não consegue ficar um dia sequer longe do pó. Fernanda percebe o gesto e corre para filar um pouco da droga enquanto Nicole, do outro lado da balada, amassa a roupa cuidadosamente escolhida com um rapaz mais velho que acabara de encontrar. Dias depois, procurada pela reportagem da AOL, a direção da Disco, por meio da assessoria de imprensa, diria que os clientes pegos com drogas no interior da casa são colocados para fora.

Depois de duas horas e R$ 890 gastos em bebidas, o grupo decide deixar a balada e procurar algum outro lugar para terminar a noite. Ou melhor, para começá-la de fato. “Vamos para a minha casa, hoje não tem ninguém lá, meus pais estão viajando”, sugere Fernanda. “Podemos comprar umas bebidas, ligar para uns amigos e fazer a festa lá mesmo. Com quantas pessoas será que eu vou transar hoje?”

A idéia de Fernanda até que foi comportada para os seus padrões. Da última vez que convidou os amigos para ir até a sua casa no Jardim Lusitânia – uma mansão na zona Sul de São Paulo com três salas, sete quartos, duas cozinhas, um pátio que se derrama na parte dos fundos com a piscina, uma edícola destinada aos hóspedes dos donos da casa e, num canto, um canil, abrigo de três cães, dois deles belíssimos huskies siberianos  –, ela pagou três prostitutas e dois garotos de programa para animar a reunião. De outra vez, fez uma vaquinha e comprou 100 gramas de cocaína. Os amigos da garota contam que ela, numa das baladas que deu, fez sexo com três amigos de infância na piscina, ao mesmo tempo, enquanto os vizinhos viam e ouviam tudo.

São quase três horas da madrugada e os carros começam a se enfileirar na porta do número 482. Em pouco tempo, há cerca de 25 jovens no local. Todos da turma são muito parecidos – os garotos vestem camisa de algum estilista famoso e caro, Herchcovitch, Sommer ou Haten, e calça jeans igualmente exclusiva, mas que pareça estar bem suja. Já as meninas só usam preto, sempre de marca estrangeira, e não desgrudam de suas bolsas abarrotadas de maconha e, eventualmente, camisinhas.

Para deixar as meninas mais “soltinhas”, os garotos preparam um drink especial com vodca, suco em pó light e comprimidos de ecstasy picados em pedacinhos microscópicos. Quando elas se derem conta, já estarão dançando coladinhas e dando beijos calientes umas nas outras, no meio da sala decorada com uns poucos móveis antigos, de estilo europeu.

Para a maioria delas, não faz a menor diferença saber se tomaram drogas misturadas à bebida porque a intenção é ficar doidas mesmo. “Essas garotas aí estão loucas para dar”, aponta o estudante de Administração Thomás, de 22 anos, herdeiro de um médico famoso e amigo de longa data de Fernanda. “A única coisa que elas têm para fazer na vida é gastar o dinheiro da família. As mais novas, aliás, são as mais danadas. Eu, por exemplo, transei com muita menininha filha de ‘sei-lá-quem’ dentro do meu Civic ou em banheiros de baladas. Já ‘tracei’ muitas Lolitas Pilles por aí.

Thomás se refere à escritora francesa de 19 anos, que chocou o mundo ao descrever tudo o que se passa no mundinho milionário de Paris no seu livro de estréia, Hell. A tradução em português chegou às livrarias do Brasil no final de 2003 e vem ocupando lugar de destaque nas prateleiras das livrarias. Nascida em berço de ouro, Lolita Pille passou boa parte de sua vida torrando o dinheiro dos pais, desrespeitando regras de trânsito e dançando até de manhã nas boates.

Quando se cansou da farra, a garota escreveu as 224 páginas do livro. "A 200 km/h pelas ruas de Paris, onde não é bom caminhar quando estamos no volante, misturamos álcool com cocaína e cocaína com ecstasy", escreve. "Eu sou um produto da Think Pink Generation. Minha crença: seja bela e consuma. Sou a musa do deus 'Aparência', sob o altar do qual eu queimo alegremente todo mês o equivalente ao seu salário".

Os relatos de Lolita poderiam muito bem ter sido escritos pela paulistana Nicole, pela amiga Fernanda, ou por qualquer uma das meninas que dançam e se beijam sem blusa na sala de estar da casa de piso de mármore claro do bairro paulistano de Jardim Lusitânia. “Entrei numa boate aos 14 anos e nunca mais sai”, confessa a escritora francesa em Hell, numa de suas muitas tiradas infanto-niilistas. “De qualquer maneira, o que fazemos é vergonhoso. (...) E daí? É você quem paga a conta? Enfim, por hora está bom para mim. Minha única preocupação é o vestido que vou usar hoje...”

O uso de drogas na mansão de Fernanda é tão disseminado que até cinzas de cigarro chegam a ser confundidas com cocaína. Num canto da sala, três caras dividem uma pedra de ice, droga sintética, derivada da anfetamina, que parece um cubo de gelo, sem se importar com a presença de um estranho, o repórter da AOL. Noutro, duas adolescentes que não aparentam ter mais de 15 anos cheiram B-25, ou cloreto de metileno, mais conhecido como cola de acrílico. E isso sem falar nas cápsulas de efedrina, de efeito estimulante, oferecidas como se fossem balas de goma.

Nicole, então, já usou e abusou de tudo nesta festa. E mesmo assim ela ainda quer mais. Em uma só tacada, engole dois comprimidos de ecstasy que estavam jogados em cima da bancada americana, plantada no meio da espaçosa cozinha principal, toda equipada com eletrodomésticos em aço inox. Um comprimido é rosa na forma de coração e o outro azul na forma das orelhas do personagem Mickey Mouse. “Tô bem, tô bem, ainda tô sóbria”, balbucia, pouco antes de tropeçar em uma cadeira e cair estatelada no chão.

Dois caras levantam Nicole e carregam o seu corpo praticamente inanimado para uma das suítes do primeiro andar da casa. É o quarto dos pais de Fernanda. Nicole acorda e puxa os dois garotos desconhecidos para a cama, tira as calças e começa a fazer sexo sem se preocupar com os olhares curiosos dos que estão olhando pela porta aberta. O show não dura muito tempo – minutos depois, Nicole levanta correndo e tenta chegar até o banheiro. Em vão. Ela acaba vomitando em cima de um dos garotos, no piso de mármore. Vomita tanto que sai até bile.

“Sério que eu fiz tudo isso mesmo?”, perguntaria Nicole mais tarde, enquanto deixava o quarto do Hospital Alvorada. O braço direito até dóia de tanta glicose que foi injetada na sua veia. Com olheiras enormes, sua amiga Fernanda só tinha forças para responder afirmativamente com a cabeça. “Que saco! Eu sempre apago nos melhores momentos. Mas tudo bem, semana que vem tem mais. Fê, você tem certeza que não foi um plantonistazinho de merda que me atendeu? Porque esses residentes não sabem de nada, ganham uma merreca... Não posso ser atendida por um imbecil qualquer.”

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* Os nomes das pessoas e de alguns locais citados na reportagem foram trocados.

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Um comentário:

Anônimo disse...

Nem me choca tudo isso...

Até porque mais da metade dos que lêem isso e dos que criticam esse estilo, teriam vontade de ter acesso a tudo isso.

A juventude eh suicida, amigos...
Só é preciso se livrar de crenças e das rédeas da sociedade...

Viva isso, ou inveje todos eles...

Quem aposta no meio termo?
kkkkkkkkkkk