11.4.04

Bozó

Lá estou eu, quieta, muito na minha, em frente aos Correios do Centro, logo após pegar um catatau de originais na caixa postal da editora. Prontinha para o trabalho, terno azul marinho de risca de giz, blusa social, sapato alto de bico fino, cabelo preso e óculos. *A* advogada. Com o Paulo, espero pacientemente um táxi que me leve até o escritório, quando observo uma senhora um pouco mais adiante.

Ela olha pra mim e olha pra bolsa. Olha de novo pra mim e olha pro chão. Com cara de quem pensa: "vou? não vou?" Eu já entro no meu mode de mau humor, prevendo que serei abordada pela senhora para alguma informação que não saberei prestar, ou alguma boa ação que não quererei fazer (e nem poderei, porque não tenho dinheiros no momento).

Então ela se decide. E vem vindo. L-e-n-t-a-m-e-n-t-e. Está tão envergonhada e olha tanto pro chão que mais parece um menino de doze anos prestes a me chamar pra dançar música lenta numa festa americana.

Olho pra ela, começando a preparar a minha cara de "não, não sei", que é muito parecida com a de "não, não tenho" e deixo que ela fale. Eis a pérola:

"Você não é aquela moça da novela?"

Eu olho pro Paulo. Moça da novela? Pffffffffffff. Seguro a risada e volto pra senhora:

"Não, não sou" (e vejam só como é apenas uma variante do "não, não sei" e do "não, não tenho"). Ela olha de volta:

"Tem certeza que você não é a moça da novela?"

Eu dou uma risadinha sem graça - enquanto olho para os lados procurando o Paulo, que deve ter rolado rua abaixo de tanto rir - e reitero:

"Tenho, sim senhora."

[Ora, veja bem, que se eu fosse a Malu Mader ou coisa parecida eu não estaria às nove da manhã vestida de devogada e cheia de pacotes na mão em frente aos Correios, mas sim fazendo uma escova nos cabelos e depilando a sobrancelha (ora, me deixem, se eu fosse a Malu Mader, eu faria isso) e me preparando para entrar em cena.]

Ela vai guardando de volta na bolsa o caderninho ou coisa que o valha, onde ela planejava que eu colocasse meu "autógrafo". Fico curiosa:

"Mas que moça, hein?"

E a mulher então, já se afastando, me fuzila com olhos fulminantes, reflexo da certeza que lhe transborda a alma:

"Pois pra mim você É ela!"

Me dá as costas e sai andando.

Moral da história: além de ter virado atriz, eu sou antipática e metida. Hoho.

Epinion - mau humor, mentiras e fé patológica

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