histórias de gordo
episódio de hoje:
john lennon, 2004
john lennon é gordo. depois de ter lançado um disco sob pseudônimo em 1982 (com a justificativa de ter enchido o saco dos telefonemas intermináveis do paul falando sobre um novo astro que cantava e dançava numa banda de irmãos), depois de ter se mudado de nova iorque em agosto de 1979 e ido morar na lapa incógnito, depois de abandonar as composições por uma bucólica vida subdesenvolvida de óculos escuros de armação quadrada, depois de ter trocado a yoko por duas anônimas de olho aberto, john lennon ficou gordo.
ele sabe, tanto quanto todos os gordos do mundo, que ser gordo não é apenas ter dificuldades com cadarços, roletas, escadas, balanças e outros, ser gordo é, antes de tudo, um estilo de vida. ou vocês não sabiam?
john lennon sabe, e é assim que vive, tomando porres homéricos nos botecos de penumbra, dedilhando velhos sucessos de chico buarque no violão - "gênio! gênio!" grita, entre uma música e outra, um gole e outro.
dia desses um lennon grisalho, barbudo e bem careca pelo consumo absurdo de cigarros e álcool, sentindo o ranço suarento que emanava de seu corpo gordo e ensebado de fumaça de calabresa, teve uma espécie de iluminação, um estalo com notas, harmonias, acordes, palavras que dançavam em sua mente e postas juntas faziam um sentido todo especial, um sentido que só ele concebera até o momento, que só ele via como uma potencial música formando-se,
gestando em seus olhos e sua mente. e era das boas, ô se era. lennon sorriu, esticando um pouco a papada e escondendo ainda mais os olhos por detrás das gordas pálpebras, olhou para a caneta no bolso do garçom, o bolo de papéis no mesmo bolso, normalmente usado para torpedos entre mesas desempregadas ou maquiadas ou envelhecidas ou gordas ou todas juntas, fez menção de pedir os objetos com dois dedos da mão esquerda, ouviu um grito, olhou para o outro lado, o lado da rua, e ficou assistindo á briga entre duas senhoras pela atenção de um outro gordo de gravata numa mesa
próxima.
recostou-se na cadeira de ferro enferrujado e incômoda para um gordo como ele, olhou de novo para o garçom, mais uma ceva!, ajeitou o largo traseiro e deixou-se relaxar. john lennon é gordo.
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episódio de hoje:
bola e as mulheres
'só existe dois tipo de mulher: as que dão e as que voam!' - por essa frase, podia-se saber que o bola estava por perto. geralmente por perto mesmo, em alguma mesa de bar próxima, em alguma gafieira próxima, em alguma esquina de meretrício próxima ou no jóquei clube, não tão próximo assim. isso era o bola. a frase, o jeito de falar alto e muito, babando - inerente ao fato de falar muito e alto, enfim. ele só babava menos quando tinha cerveja na jogada. no caso, descendo por sua garganta envolta pela mais larga, volumosa e gordurosa papada. sim, o bola tinha uma senhora papada. mas a papada do bola é irrelevante. o bola é irrelevante, agindo desse jeito. ninguém é amigo de vervade do bola. ele é mais um tipo de personagem folclórico que é bom ter numa mesa próxima, nem que seja só pra ouvir a frase famosa do bola, ver como ele consegue beber um copo tulipa cheio de cerveja num gole só ou ver sua bonachona papada debatendo-se ao ritmo de sua gargalhada virulenta. mas tudo isso é irrelelvante.
acontece que o bola, numa ressaca de chorar seco num dia desses, qualquer dia da semana, já que o bola bebia diuturnamente, sempre cerveja, porque 'essas cachaça é coisa de pedófilo', bola rolou para fora de sua cama como fazia às vezes, abriu as cortinas como fazia sempre e olhou para fora, como nunca fazia. o que o bola viu? senta aí que essa é de bambear as pernas. ele viu uma mulher voando. sem apoio de motor, sem capa esvoaçante, sem guarda-chuva, sem avião invisível, sem pose. a mulher simplesmente voava, planando com a graça que só uma mulher pode ter quando voa. bola esfregou os olhos, olhou de novo e lá estava a mulher, voando, acenando para alguém na mesma altura que ela. e bola acomapnhou o destino do aceno e o que ele viu? outra mulher voando. e mais perto, outra, e mais ao longe outra, ali acima da banca de revista com uma marie claire nas mãos outra, e mais outra com um poodle branco nervoso debaixo do braço, que tanto nervoseou acabou caindo e se esborrachando no asfalto, gerando uma multidão de mulheres curiosas voadoras, donas de casa, moças da vida, até uma que o bola conhecia ali da zona, todas, todas, todas voando.
bola olhou para os pés como fazia nas raras ocasiões em que se propunha a pensar a sério sobre algo, respirou fundo e lembrouse de sua frase predileta. só existe dois tipo de mulher: as que dão e as que voam. bola coçou a papada, olhou mais uma vez pela janela, correu pegando suas roupas sujas de ontem jogada pelo chão do quarto já vestindo-se de forma amassada deixando-as apressadas pelo volumoso corpo, chegou à rua, olhou para os lados, foi até a esquina, procurou para a outra esquina, e nada. nenhuma mulher pelo chão caminhando. olhou para os pés.
'é, hoje não sai nada.'
deitado em sua cama, roupas sujas, bola dormiu. de cortina fechada.
como assim dois uísque?
11.4.04
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