18.8.04

JURAMENTOS DESNECESSÁRIOS

Transferimos a vontade ao obstáculo para não chegar tão cedo. Deus devia sorrir mais mesmo quando nega. Já vi Deus mendigando. Nem tudo é Deus. O que imagino ser talvez eu já tenha sido. O consolo não nos deixa cicatrizar a dor, fica-se no raso da ferida. Viver sem recompensas é desejar o desejo. Lágrimas enjoam os olhos. O que é imortal não tem passado. A eternidade não cura o que não sangrou antes. Os mortos não precisam enterrar seus mortos. Eu não me envergonho da nudez, mas da falta dela. A ausência é ainda um jeito de aparecer. É mais difícil ser fiel ao hábito do que ao mistério. O egoísmo é destruir justamente o que é pessoal. Experimento não é experiência. Conhecer a miséria não me torna mais sábio - conviver com ela é que me transfigura. A casa ensina o exílio. A fome desobedece a necessidade de falar. Um inferno tem mais realidade do que o paraíso. Escrevo para me desmoralizar. Amar a verdade significa ter esperança nas mentiras. Melhor do que encontrar a verdade é saber recebê-la. Inicio diferente para preservar o fim. Amizade exerce a virtude da solidão a dois. Quem repete seu sofrimento não tem senso de humor para libertá-lo. A alegria pode dançar sozinha e não será ridícula. O tempo é onde não temos tempo para ir. O relâmpago faz contrabando de clorofila. O medo empresta sua ternura à coragem. O que não se apreende, aprende-se. O homem devia se procurar ao dia com a curiosidade em que se caça durante a noite. Ler é dividir as mãos em janela. O corpo bem que poderia pedir licença para envelhecer. A ambição busca a autoridade, não o poder. A humildade tem o poder de não querer nada. Ninguém fez juramento ao nascer.

Fabricio Carpinejar

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