17.8.04

Porquê nos vemos sempre com 20 anos?

Muitas vezes somos exageradamente críticos com o que vemos, porém basta um olhar mais profundo para que seja descoberto o que passou despercebido, para que surjam novas visões de um fato. Certa vez estávamos em uma festa, eu, minha E e alguns casais amigos, e altas horas toca de repente Estúpido Cupido, da Celly Campello, para ruidosa alegria de uma mesa próxima a nossa. Imediatamente seus ocupantes levantaram e partiram para os passos típicos da música, jogando e puxando o par, girando os pés no ritmo da dança. Um riso contido correu nossa mesa, ante a senhora gordinha a balançar os seios e o vovô desengonçado a fazer charme para a parceira (em nossa cultura da máxima beleza não permitimos aos feios e velhos os prazeres da sedução. Certa vez assistia a um filme e quando na tela um casal idoso trocou um beijo de verdade, língua na língua, um início de vaia percorreu a sala, em um absurdo que já é uma outra história.). Sei, não posso negar que havia um pouco de cômico naqueles casais, já um pouco ébrios, a girar no salão. Porém isso era cria do olhar superficial. Se você for mais fundo, se usar de um olhar mais perceptivo, não vai ser difícil reconhecer naqueles casais, os jovens de vinte anos que a quatro décadas atrás divertiam-se na dança. Eles estão lá, vivos, dentro daqueles senhores e senhoras que brincam felizes, e que pouco se importam com o nosso julgamento vetusto. Se pudéssemos nos transportar para um deles, veríamos que eles vêem uns aos outros, e a si próprios, com os olhos jovens de quarenta anos atrás, e naquele instante acontece o efeito cinematográfico que mostra os personagens como jovens, em um lance, um instante. Fiquei sentado, sentindo tudo aquilo, e sabendo que daí a instantes, tocaria Um Certo Alguém, do Lulu Santos, e aí seria a nossa vez de levantar com toda empolgação, e que os super-jovens, fora do salão, iriam se cutucar e rir de nossa alegria. E assim os olhares superficiais deitam uns sobre os outros, julgando, catalogando, sem humanidade, sem profundidade, sem tolerância. Porquê somos tão duros? Mas que está sendo duro sou eu, no fim das contas a festa foi ótima e quem mais se divertiu, claro, foram os sessentões.

Singrando

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