18.9.04

DE PÉS DADOS

Eu sei, eu sei, andar de mãos dadas é como fechar uma rua. Ter uma rua só para ela. O corpo estala em estar junto. Ervas que se trançam nas grades, fazendo que a janela pareça aberta mesmo quando lacrada. Dar as mãos já é suar a dois, transpirar a dois, respirar a dois. É levantar um corpo da grama para deitá-lo na boca. Eu sei, eu sei, mas melhor do que as mãos entrelaçadas é andar de pés dados de noite. De leve, empinar o peito do pé na sola feminina, ensolarada, como se fosse um outro lençol no lençol. Um pão equilibrando a mesa. Acariciar o batimento dos dedos, o atalho das unhas, percorrer a pele, ciscar as marcas das sandálias, chegar como um assobio inseguro. Tudo ali para calçar: o canto líquido, as amêndoas, a beleza discreta. Dormir de pés dados é se espreguiçar para dormir ainda mais.

Fabricio Carpinejar

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