28.2.05

Entre amigos

I
- Toma mais uma vodka porque a vesguinha ta vinda na sua direção.
- Nem ferrando, eu zero mas não barango!
- Dizem que ela é campeã de boquete na cidade.
- Manda espremer um limão na vodka.

II
- Vai lá mas não beija
- Ué por que?
- Pra ser campeã tem que ter muito treinamento né?
- Puta, que nojo!

III
- Bebi tanto que eu que fiquei vesgo agora.
- Xii cuidado que vão te confundir com a vesguinha campeã hein?
- Porra mas eu sou homem!
- Ela também!

Versão Simples

23.2.05

Eu não gosto de despir casas…

Eu não gosto de despir casas, desfazer ninhos. Não desmonto móveis, nem esvazio armários ou encaixoto livros. Não acondiciono louças, não empacoto discos, não embalo objetos. Tenho medo da vingança das coisas. Tenho medo dos dias que ficaram perdidos atrás dos armários, medo que eles me agarrem pelo pescoço e perguntem porque não os resgatei. Tenho medo de ver seus rostos negros, seus dentes finos arreganhados nas bocas cheias de um tempo esquecido. Não sei desconstruir história e temo que ela me arranque as tripas, me vire do avesso, me leve de volta à rudeza das impossibilidades, ao gosto metálico dos vazios. Temo a perversa sinfonia do eco entre paredes que não cercam mais nada, réquiem da profanação do que vivi naquele território. Prefiro o discreto abandono dos despojos.


Não Discuto, por Patrícia Antoniete

22.2.05

Sotto Voce

Sentia uma angústia repugnante dentro de si. O que era aquilo? Não importava, desde que consguisse se livrar da sensação incômoda. Insatisfação, impaciência, dor, ansiedade, a mistura de tudo isso, algo inominável, apenas um mal-estar íntimo. Não sabia. Mas um laxante resolveria tudo.

~~o0o~~

Seu sonho mesmo era ser artista. Ator, mais precisamente. O pai o obrigou a fazer faculdade de medicina. Um dia, no trabalho, ouviu um colega falando mal dos atores: "imagina, criar um filho para vê-lo se transformar num ator? Que desgraça! Preferia ter que interná-lo numa clínica de drogados." O sangue ferveu. Olhou para o colega com asco e desabafou com toda a mágoa contida até aquele momento: "Pois saiba que eu vou ser ator. Vou deixar tudo isso, toda essa farsa ridícula de status e dinheiro e ir atrás da minha felicidade", disse, e apontou no nariz do colega para concluir: "E você, seu babaca, ainda vai ouvir falar de mim". No outro dia não apareceu. Largou tudo e foi fazer teatro. Ninguém nunca mais ouviu falar dele...

~~o0o~~

Lembrou de Paulo Coelho. Jamais confessaria isso em público, claro, mas lembrou nitidamente. Fazia dois dias que estava com a maldita música na cabeça. Musiquinha ruim, chata, pobre, ridícula. Mas ali, renitente, dia e noite soando na sua cabeça. E ele não era pessoa de tolerar uma música tão feia daquela ressoando em si mesmo, era como trair-se, mutilar-se. Quando era adolescente leu um livro de Paulo Coelho, em que o mago dava uma fórmula mágica para se livrar de qualquer música que insista em ser lembrada contra a vontade. A solução, segundo ele, era cantar a dita cuja a plenos pulmões, bem vividamente, e a infeliz desapareceria da mente num passe de mágica. Mas cantá-la ali, no meio dos amigos, todos eruditos esnobes e mau humorados? Conteve-se. Mas por pouco tempo, pois a música o incomodava mais que os amigos. Abriu a boca e cantou. Até afinadinho, ele. Mas todos o olharam enviesado, se afastando com gestos reprovadores. A maior vergonha de sua vida. E a música, ai meu Deus, ainda estava no mesmo lugar.

Órbita

18.2.05

Cadeia

A moça lavou a louça. Limpou a casa. Vestiu a roupa. Saiu pra rua. Chamou um taxi. Subiu no taxi. O taxi andou, parou. A moça desceu. O moço saiu na rua. Encontrou a moça. Pegou a bolsa. Roubou a moça e correu. Fugiu da moça. Que chorou.



Ela ligou. Sete horas. Tá tarde. Chovendo. Que merda. Pára de reclamar. Pára você. Não fica assim. Você já viu? Não, nem quero ver. Então tá. Você fala demais. Que merda.


A vida em mensagens de celular: mor jantar hoje 8 passar mercado salgadinhos. em reuniao, combinado. pode pegar criancas no colegio as 6? ok. more a Dani tambem vem, compra bastante salgadinho. ok. amor cade voce? os meninos estao esperando no colegio. mor quando puder liga, preocupada. desculpa estava em reuniao ja vou. estava preocupada, monstro, nao faz + isso. soh salgadinho? vinho se tiver. estou voltando. colegio ligou voce esqueceu criancas. foi mal.

fserb

15.2.05

É GIZ NO TACO

A já célebre partida de sinuca que Inri Cristo ganhou de Cacá Rosset tem tudo para ser, numa leitura óbvia e apressada, um embate entre duas teatralidades, a messiânica e a do tablado. Pulando essa curiosidade semântica, é irresistível tentar repensar o simbolismo com cores um pouco mais bizarras e nem por isso inverossímeis. Imaginem, por um instante, que o barbudão de camisola fosse mesmo o Messias e Cacá – na medida em que sua persona performática o permite – o demônio. Ambos disputando os destinos da humanidade.

Como o diabo é o rei da cizânia e da desunião, Cacá abre o jogo estourando as bolas. Depois de vê-las espalhadas pela mesa ele sussurra a Inri: “Amoleço o jogo se aqui, prostrado, me adorardes”. E Inri, passando o giz no taco: “Perdestes a cabeça? Ambiente de sinuca e eu me ajoelhando à vossa frente? O que o pessoal das outras mesas vai pensar?” E Inri mata a bola dois. Cacá tenta novamente: “Se eu acertar a seis na caçapa do meio, dar-me-eis o Vaticano - incluindo os tapetes, a prataria e as reservas do Banco Ambrosiano ”. O barbudão não se intimida: “Vós sois ímpar”. Cacá, envaidecido: “Pois então, não sou mesmo inimitável?”, e Inri esclarece: “Não, estou dizendo que mato as bolas pares e vós as ímpares.” E mata a doze. Cacá: “Se eu matar a três por tabela, permitireis que eu faça o materialismo marxista triunfar”. Inri: “Se conseguirdes colocar o marxismo em prática, tiro meu quipá.” Mas Cacá erra a bola. Inri mata a oito. Cacá não desiste: “Mato a três e a nove de uma só vez e me concedereis a vida do Papa, cuja saúde já anda mesmo pela bola sete”. E Inri: “Não vedes que ele já morreu assassinado a tiros há vinte e quatro anos, e em seu lugar colocamos um sósia – um contabilista paranaense?” De qualquer forma Cacá acerta as bolas. As do jogador da mesa ao lado, ao fazer o bolão espirrar e acertar as partes baixas do cidadão. Ânimos serenados, ele resiste: “Mato a cinco de olhos fechados e permitireis que eu leve o Ratzinger para o inferno”. Inri pensa um pouco, um sorriso lhe ilumina a face e ele: “Topo!” Mas Cacá acerta acidentalmente o ás e perde. Fim do jogo.

E nós aqui, mal sabendo do que escapamos.

Ao Mirante, Nelson!

O Poder vai Sambar

"Quem não gosta de samba
Companheiro não é
Pêfêlê na cabeça
Pega ele, Josef !"

Entra na Esplanada a escola de samba mais esperada pela platéia que deliiiiiiira: o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos dos Três Poderes ! Neste ano, o carnavalesco Zé "Stálin não Morreu" Dirceu, com a generosa ajuda do corretor zoológico Carlinhos Cascatinha, resolveu ousar e explorar temas mais controversos, como o deste ano: "Fome Zero é coisa de rico, pobre gosta é do IBGE". No ano passado, todos estão lembrados, o enredo "Cotas e cocotas: eu quero ver o negro entrar" foi objeto de muita polêmica, principalmente por causa da ala "Vem neguinho, miscigenar é gostosinho", que falava dos trotes cruéis pregados nos estudantes negros pelas sociólogas da PUC. Zé promete que neste ano os carros alegóricos baseados nas metáforas presidenciais ficarão além de tudo que já se viu na Esplanada.


Aqui, uma avaliação que nossos experts fazem da possível pontuação da Unidos dos Três Poderes nos quesitos da Liga das Escolas de Samba de Davos:

Harmonia: são julgados o comportamento da escola, o entrosamento dos integrantes, a coordenação e o sincronismo entre canto, ritmo e a coreografia na avenida. Neste quesito a Unidos não deve pontuar bem, já que as alas da esquerda, da direita e do centro vivem trocando de lugar, confundindo os jurados, o público e os cientistas políticos.

Evolução: trata-se do andamento da dança de acordo com o ritmo do samba-enredo e a bateria. Nesse quesito, não há dúvida de que a escola aprendendeu a dançar conforme a música, abandonando marchinhas antigas como a "do povo, unido, jamais etc.", em prol de arranjos mais modernos, como a da bandinha de música da UDN.

Enredo: os julgadores analisam o argumento do tema central escolhido pela escola. A escola não deve alcançar boas notas, pois o enredo deste ano é confuso e, o que é pior, parece imitar o de carnavais passados.

Alegorias e adereços: concepção plástica do enredo. São julgados originalidade, propriedade, cores, movimento e efeito. Este é o quesito onde a escola tem consistentemente ganho mais pontos, porque os carros alegóricos _ desde o aerodinâmico Aerolula e as Aeromoças do Barulho até o dramático A Luta entre a Fome e a Anorexia no País dos Obesos _ incendeiam a imaginação da platéia.

Fantasias: são julgadas em relação à criatividade, cores, efeito individual e coletivo, variedade e adequação. Como desde o ano passado o carnavalesco tem estimulado os integrantes da escola a rasgarem a fantasia assim que pisam na pista, as notas têm sido baixas, já que sobra pouca fantasia para permitir qualquer avaliação.

Comissão de frente: os julgadores devem levar em consideração o cumprimento da função de saudar o público e apresentar a escola na avenida. Os integrantes têm que estar em perfeita coordenação e harmonia. O interessante é que a escola resolveu inovar criando, além da comissão de frente, as comissões de lado e as comissões de trás. O aumento excessivo de cargos em comissão vem fragilizando as finanças da escola, que por isso, instituiu mais uma comissão, a comissão dez por cento.

Mestre-Sala e Porta-Bandeira: casal que carrega a bandeira da escola. São observados a postura, a elegância, a graça e a leveza da Porta-Bandeira. Já o Mestre-Sala é avaliado na flexibilidade, variedade de passos, cortesia e proteção à bandeira. Aqui a escola vem tendo problemas, já que o Mestre-Sala da Silva não é propriamente flexível e leve, embora seja um mestre em dar bandeira. Já a Porta-Bandeira é mais conhecida pelo prenome, "Porta".

Duração do desfile: O tempo de duração do desfile de cada escola de samba será de, no mínimo, 65 minutos, e, no máximo, 80 minutos. Neste quesito também é provável que a escola ganhe poucos pontos, porque há boatos de que findo o desfile o carnavalesco pretende trazer de novo a escola para a pista, quantas vezes forem necessárias pro povo aprender o samba de uma nota só.

SMART SHADE OF BLUE

Ô, batíria!

No ano em que completaria 16, ele gritou seu “Fico” –enquanto a família toda ia, claro. Feriado era sempre aquela caca –excursões para a praia ou campo, horas de congestionamento, tudo lotado, chuva, tédio. Usando como desculpa a nonna que morava com a família e não viajava por motivos iguaizinhos, ele enfrentou a cara fechada do pai, os resmungos da mãe e começou a passar feriados em Sumpaulo. Um dos motivos principais era o fato de que a capacidade de patrulha da nonna era zero. Nove e meia, se tanto, ela caía dormindo, e bastava estar de volta antes das seis do dia seguinte, quando ela acordava, para escapar de qualquer controle.

Não, não se tratava exatamente de anseio irrefreável por walks on the wild side. Era mais a adultice da coisa –sair sozinho, ou o mais das vezes com outro amigo da catigoria “encostado na vó”, ir ao bar, assistir até a última entrada da última banda, dar uma canja com um dos 15 mil músicos que ele conhecia (sempre sobrava alguém tocando na cidade, em feriado –quem é que vai viajar quando pode fazer show?) Depois, longas caminhadas de volta, ou longas esperas movidas a Thomas Mann, Dostô, Thackeray, pelo ônibus da madrugada, saindo de uma em uma hora do ponto inicial na Praça da República. E havia sempre a perspectiva de que a amiga/major crush tivesse um surto de irredentismo germânico e resolvesse convocá-lo –ela sempre convocava, nunca convidava- para alguma coisa, caso cismasse de não acompanhar os pais teutônicos nas viagens de feriado à casa maravilhosa que tinham em um canto majoritariamente europeu da Riviera de São Lourenço (“argh, parece um Congresso de Nuremberg, lá”, resmungava Beate).

Ele gostava dela, ela sabia, nenhum dos dois tomava uma atitude por medo de funhanhar a amizade, feita daquela mistura de devoção e hostilidade ranheta tão peculiares da adolescência (quando ela e as amigas alemoas caminhavam juntas no colégio, ele sempre saudava a cena assobiando a “cavalgada das vaquinhas”, apelido que logo ganhou uso amplo na ala não ariana da população escolar). Eram amigos, muito a contragosto, por apego comum a determinadas coisas –um certo tipo de rock, qualquer tipo de livro- e por aversão comum a absolutamente tudo mais. Em especial aquilo que ambos, razoavelmente acostumados a passar períodos fora do Bananão, designavam “coisa de brasileiro”.

Das muitas “coisas de brasileiro” que abominavam, a mais disgusting sempre foi o carnaval. A parafernália toda causava engulhos a ambos –o frenesi compulsório, os desfiles interminavelmente bregas, as letras dos sambas, o baticum interminável de tambor (e nada de assar os missionários, comme il faut), o rebolado-de-branco-dizendo-no-pé. No ano do Fico, ele ficou. Ela ficou. E os dois planejaram o evento todo –iam ouvir Béla Bartók, iam ouvir Debussy, iam ouvir o Echo and the Bunnymen novinho que ela gravara do programa do Kid Vinil. E assistiriam a um monte de vídeos. Vídeos cabeça, claro. Porque Steven Spielberg é coisa de brasileiro.

Por medo da fofoca da governanta alemoa -chamada Bertha e tudo-, o QG da operação era a casa dele. (Todo dia, exatamente à meia-noite, toque de recolher dela em feriado, o motorista passaria para apanhá-la.) E tudo ia de acordo com os planos –jovens pretensiosos ouvindo música maravilhosa e trocando opiniões very supercilious sobre livros que eles mal entendiam- até o terceiro dia, quando a nonna decidiu se manter acordada depois do toque de recolher terceira idade, pra ver a Beija-Flor na Sapucaí, o que empatava o vídeo. O filme do dia era Bergman (porque no mundo não tem nada mais clichê do que jovens cabeça), e a solução que ele propôs, acatada com muita piadinha ginasiana de parte a parte, foi montar o aparelho no quarto dos pais, onde ficava a outra TV. Deitaram na cama, very VERY self-conscious, e botaram Det Sjunde Inseglet*.

Contemplar o gênio dos outros em ação é a major turn-on, em qualquer idade. Aos 16, quase abraçados numa cama de adulto e com três dias de blablablá intelectual zunindo nas orêia, não admira que cedessem. Por sorte ou azar, o vídeo enguiçou uns 10 minutos antes da Dança da Morte. O tranco do aparelho os tirou do transe. Os dois pularam da cama, morrendo de vergonha e, enquanto ele tentava “consertar” o vídeo, ela ligou e pediu que o motorista a apanhasse mais cedo. Na terça-feira, entendimento tácito, decidiram ir ao cinema. Assistiram Ghostbusters. E na semana seguinte, de volta às aulas, ele e os outros meninos estavam sentados na mureta que delimitava o pátio quando ela passou com a gangue alemoa. Os cinco assobiaram o trecho mais manjado da cavalgada das vaquinhas.

*O Sétimo Selo

Filthy McNasty

10.2.05

paradóques

chocolate engorda. massa engorda. coca cola engorda. arroz engorda. mas no fim só eu engordo.

viva a saciedade alternativa