26.9.05

Medo de escuridão

Álvaro da Graça perguntou ao seu menino: "Filho, se você tem medo da escuridão, por que não aperta aquele botãozinho de acender a luz?"
Álvaro da Graça Júnior, sete anos, voz tremida e glúteos contraídos, respondeu-lhe assim: "Porque o medinho, meu papaizinho, é gostosinho demais!"
Álvaro, o pai, quis rir, mas não riu. Controlou-se, a fim de conhecer a essência dos temores do menino.
"Filho, agora diga ao papaizinho o que você imagina que possa existir lá no meio da escuridão."
Disse Álvaro Júnior, enquanto apertava uma coxinha contra a outra: "Existe a cabeça sem corpo, meu papaizinho, que é cega, que é surda, que é muda e que fica mastigando um coração roubado do cemitério! Coraçãozinho de criança que morreu sem pecado, meu papaizinho. E a cabeça sem corpo voa pra cá e pra lá, e sobe ao teto, e desce ao chão, e fica escondida atrás das cortinas - nhác-nhác, nhác-nhác - a mastigar o coração do anjinho. Depois, com a língua toda de fora, ela rola escada abaixo, porque fica doida de sede e não encontra sangue quente para beber. A cabeça sem corpo come carne de morto inocente, meu papaizinho, mas gosta de beber sangue de pecador vivo."
Álvaro, o pai, coçou o queixo, onde existia um pequeno corte ainda mal cicatrizado. Uma gota de sangue aflorou na sua pele branca, como se fora um rubi cabochão colocado sobre uma hóstia. Álvaro Júnior viu o brilho da gotinha de sangue e correu a apagar todas as luzes da sala.
"Vem depressa!", gritou o menino, batendo os pés e mijando-se de prazer. "Vem depressa, antes que a gotinha seque!"
Álvaro, o pai, começou a rir. Só parou de rir, porque morreu. E só morreu porque sentiu aquela língua larga a lamber-lhe o queixo. Foi assim que aconteceu.

Dennis D.

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