Ontem à noite...
conversando com um amigo, ele me perguntou porque eu não havia escrito sobre o seqüestro. Eu escrevi, mas escondi. É que eu estava tão triste naquela semana, que seria impossível olhar pra isso fora do rascunho.
Mês passado
Ontem, por volta das sete da manhã, um cara armado bateu na janela do meu carro e mandou que eu abrisse a porta do passageiro. Deu a volta pela frente do carro e eu pensei em atropelá-lo, mas não consegui. Ele entrou e mandou que eu "sentasse o pé". Meus pés tremiam, minhas mãos tremiam e eu comecei a chorar enquanto guiava.
Ele estava nervoso. Olhava para trás o tempo inteiro e não parava de dizer que só queria se mandar dali. Eu também queria... Queria ir pra bem longe dele, daquela arma e de um pedaço da minha vida. Queria, tanto quanto ele, fugir para algum lugar que não tivesse um destino a me perseguir.
Minha bolsa estava embaixo do banco e ele não a viu. Assim como não me viu esconder o celular ao meu lado, pouco antes dele entrar no carro. Toda vez que ele tirava os olhos de mim, eu apertava os botões do aparelho e rezava para que caísse em casa e o Rube atendesse. Sem saber onde aquele seqüestro relâmpago poderia dar, eu torcia para que a idéia desse certo, ele ouvisse o que estava acontecendo dentro do carro e avisasse a polícia.
O cara perguntou se eu tinha dinheiro comigo, eu disse que não. Disse que tinha acabado de sair de casa para abastecer o carro e que só estava com o cartão de crédito. Em alguns momentos, eu me desesperava, achava que ele dispararia aquela droga de arma contra mim e acabava usando meu melhor escudo... Menti, disse que eu tinha filhos pequenos e que eles estavam me esperando para levá-los a escola. Disse que o caçula tinha apenas quatro anos e que era altista. Não me perguntem o porquê da mentira, achei que não bastaria dizer que as crianças tinham problemas de saúde. O problema teria que ter um nome se eu quisesse ser convincente e sobreviver. Disse que se acontecesse alguma coisa comigo eles ficariam sem ninguém porque eu não tinha marido e nem família... Tudo o que eu queria naquele momento era abraçar meu marido e minha família, tudo o que eu não queria naquele momento era ter filhos e considerar a possibilidade de morrer e deixá-los crescerem sozinhos. Ele, por sua vez, me interrompia dizendo que só queria ir embora, que nunca quis matar ninguém... E eu me perguntando quantas coisas ruins somos capazes de fazer mesmo sem querer.
Irritado com o trânsito, ele pegou o cartão de crédito que estava no console e mandou que eu parasse em um banco pra sacar dinheiro. Eu pedi que ele visse a data de adesão do cartão, disse que era um cartão novo e que só era usado para crédito. Era verdade, mas, com medo da falta de dinheiro estender a situação, pensei em avisar que a bolsa estava embaixo do banco. Pensei, mas as palavras não sairam.
O trânsito estava lento e ele queria, de qualquer jeito, que eu encontrasse um banco ou caixa automático na avenida onde estávamos. Eu disse que não fazia idéia de onde teria um, mas ele não acreditava e dizia pra eu acelerar. Uma viatura da polícia passou por nós e ele foi muito claro quando disse pra eu ficar quieta se quisesse continuar viva. A viatura passou, ele mandou que eu pegasse a marginal Tietê.
Mais trânsito, mais nervosismo. Mandou que eu parasse de chorar e fechasse totalmente o vidro para não chamar atenção. Disse pra seguirmos até o terminal rodoviário e continuava repetindo que só queria ir embora. Foi quando me dei conta de que o sujeito estava tão desesperado quanto eu, que ele não pretendia me matar e, talvez, só precisasse mesmo de dinheiro para fugir dali.
Chegando no terminal ele saltou do carro levando somente o cartão de crédito. Saiu correndo, escondendo a arma no corpo. Saiu sem desejar que eu tivesse boa sorte as crianças... Que crianças? Que sorte? Ele fugiu, eu voltei pra casa. Voltei chorando e sem nenhum abraço a minha espera. Sem abraços, sem família, sem filhos, sem nenhuma vida que valesse a pena ter sido preservada.
Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados
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