19.3.06

A lata, o gato e o imbecil

Desde que o mundo é mundo, gente desocupada passa a vida pensando numa nova maneira de importunar quem está trabalhando, quem está sofrendo, quem precisa de ajuda. Daí, acredito, a necessária criação do ditado "Ajuda mais quem não atrapalha".
Um exemplo recente é o e-mail que circula por aí há mais de um ano, dizendo que o Hospital Sírio-Libanês oferece tratamento gratuito para câncer de mama, o que, segundo a mensagem, inclui "internação, anestesia, equipe cirúrgica, remédios, exames e imediata reconstrução da mama mutilada" (tudo de graça!), bastando para isso que a candidata faça uma consulta (igualmente gratuita), agendada por telefone.
Ora, se isso não é mentira completa, é verdade parcial: esse hospital, assim como qualquer outro, mantém convênio com o (Des)Serviço Único de Saúde, e atende gratuitamente por mês umas tantas pacientes com essa enfermidade: vinte, segundo o próprio hospital, em nota distribuída à imprensa. E, muito importante, diz a nota que é o próprio (d)SUS que encaminha a paciente a esse (ou a outro bom) hospital, se a paciente tiver pelo menos essa sorte.
Fico aqui pensando que espécie de canalha chega ao computador, cria uma "notícia" como essa, e depois fica sentado, olhando o teto com o sorriso próprio do imbecil que é, imaginando mulheres numa situação de extrema fragilidade provocada por uma doença mortal, crédulas por falta de melhor opção, voltando-se com todas as suas lágrimas e incertezas para a esperança de serem bem tratadas por um hospital de alta qualidade, para, em seguida, serem imediatamente decepcionadas, logo ao final do telefonema.
Este é um caso. Há outros, às centenas, de crianças doentes, seqüestradas ou desaparecidas, mutiladas, à morte. Os desocupados, por terem muito tempo para elaborar suas asneiras, imploram que você reenvie a mensagem "para todos da sua lista" porque, para cada e-mail reenviado, uns poucos centavos serão doados à criança em questão, como se houvesse uma maneira capaz de contabilizar o envio de mensagens com qualquer acuidade. "— Vamos salvá-la", diz o filho da puta, que deseja apenas uma coisa: ver seu e-mail circulando o mundo, como quem prende uma lata ao rabo dum gato e fica ouvindo o barulho que ele faz durante a noite, correndo desesperado pelo bairro.
A lata é a mensagem, o bairro é o mundo, e amarrar um troço ao rabo dum gato é a obra máxima que um imbecil pode criar.

branco leone

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