LITTLE PLOP OF HORRORS ou CONVERSA PRIVADA
Eu tenho uns medos estranhos. Quer dizer, eu não vejo nada de estranho, acho cada um perfeitamente lógico e bem fundamentado, mas a maioria das pessoas ou acha graça ou diz que eu sou fresca quando falo deles. Por exemplo, eu tenho pavor absoluto de panela de pressão. E depois que uma delas estourou lá em casa (felizmente eu não estava), decorando o teto e as paredes da cozinha com uma camada texturizada e supermoderna de feijão cozido, quase matando a empregada do coração e tirando pelo menos umas quatro das sete vidas da Nina, acho que elas também concordam comigo. Outra coisa que me dá medo é o tal do botijão de gás. Aliás, eu não gosto de gás de jeito nenhum : demorei mais de dez anos pra criar coragem de acender o fogão direto com um fósforo, sem precisar de acendedor de faísca nem de um palitão comprido daqueles de churrasquinho - justo quando consegui, apareceram os fogões com acendimento automático –, e sempre que passávamos férias no Rio, em apartamento alugado, eu preferia voltar da praia e tomar banho gelado a ter que me entender com o tal do aquecedor a gás. E por último, tenho medo de soda cáustica, diabo verde e demais coisinhas corrosivas usadas em limpeza. E é por isso que ultimamente também ando no maior medo de sextas-feiras.
O problema é que a diaba não verde da minha empregada sempre dá um jeito de entupir, justo nos finais de semana - parece de propósito - o vaso do meu banheiro. Não sei se ela joga lá dentro todos os cabelos caídos na pia, os pêlos da Nina, rolos inteiros de papel higiênico, o resultado da varrição da casa, a caixa de areia da gata, macarrão cozido, purê de mandioca com bubbaloo banana ou borracha vulcanizada, ou ainda se larga um superhiperultramegateradump atômico no meu banheiro antes de ir pra casa. Só sei que normalmente eu saio para o trabalho na sexta com todos os equipamentos sanitários positivos e operantes, e quando volto já deu chabu. Como até não tenho medo, mas morro de nojo daquele desentupidorzão, normalmente resolvo tudo na mais pura tradição bioquímica e bicho-grílica, sem agressões à natureza : jogo colheradas de coalhada – desnatada, ainda por cima, olha que chique – lá dentro e deixo que as bactérias do iogurte se banqueteiem (ugh) com qualquer, hã, hum, matéria orgânica que possa estar bloqueando o caminho das águas para o mar, ou pelo menos para o esgoto menos próximo de mim. Normalmente funciona, e normalmente funciona na pia também, tanto na do banheiro quanto na da cozinha, e até mais nesta última, já que bacteriazinhas adoram uma gordura - e aparentemente não se importam com o que isso faz com seus corpitchos na hora de vestir um biquíni realmente microscópico ou um jeans justinho e ir paquerar uns protozoários.
Só que da última vez a coalhadinha não adiantou. Achei que era questão de quantidade, e mandei mais iogurte natural light lotado de S. thermophilus e L. bulgaricus famintas pela goela abaixo da privada. E nada. Antes que eu me visse obrigada a apelar para meus corpus diet com polpa de fruta, e ainda crente no poder dos microorganismos, ataquei de yakult, começando a suspeitar que talvez estivesse gastando mais do que devia com aquela merda (sim, a essa altura meus já parcos bons modos estavam se esgarçando cada vez mais), e imaginando a figura ridícula que eu devia estar fazendo, alimentando de colherinha ou de garrafa aquela maldita Audrey II de porcelana. Mais uma vez não adiantou. Teimosa que sou, não me dei por vencida nem corri ao supermercado mais próximo atrás de soda cáustica. Pra falar a verdade, minha nova idéia passou mais perto foi da outra soda, a limonada : me lembrei das inúmeras historinhas ouvidas desde a infância sobre os poderes corrosivos da boa e velha tota-tola, mas, recusando-me a despejar minhas preciosas latinhas de light no vaso, pedi ao gatim pra ir à padaria da esquina comprar da outra. Porque, pensei, de repente o açúcar contido nela ou corroía o obstáculo, como faz com os dentes e mucosa estomacal das pessoas, ou pelo menos tornava a caca mais palatável para as bacteriazinhas e bacilos que ainda estavam fazendo a festa lá dentro. Só fiquei com um pouco de medo da privada arrotar, e imaginando se não seria o caso de já mandar um rum e limão por cima também, pra liberar a cuba de vez, mas achei melhor adiar um pouco, esperar que todo aquele povo microbiológico lá dentro se conhecesse melhor, sei lá, antes de introduzir álcool na mistura.
E veio o gatim com as latinhas vermelhas, geladas, cujo conteúdo eu despejei no vaso, morrendo de dó. Isto feito, abandonei o local por uma noite inteira, que era pra não interferir com qualquer processo que estivesse acontecendo por ali. No dia seguinte, após algumas descargas vigorosas, tudo o que era doce, desnatado, carbonatado, lácteo e/ou extremamente desagradável foi por água abaixo, finalmente. As manchas escuras que a tota-tola deixou na louça branca foram resolvidas com uma boa quantidade de espuma de barbear hidratante e mentolada aplicada e deixada lá por mais algumas horas (porque eu também tenho um certo nojo de escova de privada e porque sou coerente : heterodoxa até o fim), e depois de mais alguns jatos de pura força hidráulica, o vaso ficou 0 km, prontinho pra empregada chegar na segunda-feira e recomeçar com seus planos malignos de embranquecer totalmente meus cabelos – e depois de fazê-los cair, brancos, jogar todos no vaso e começar de novo... mas por enquanto, suspirei aliviada. Já estava começando a ter pesadelos com o vaso ficando mal-acostumado, cantando Mean White Mother e exigindo uma porção de tacos, um aguacate con gamba, um vidro de tabasco, umas três margaritas e um sal de frutas... or else.
Sim, duas seguidas de Cyn City
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