28.8.06

Eu quero que Plutão se foda.


catarro verde

20.8.06

Lições de vida

Livros que ensinam que as pessoas devem amar mais a si mesmas para ter uma vida mais longa são os livros mais perniciosos que existem, pois quem lê esse tipo de livro é idiota e, afinal, a quem interessa idiotas amando mais a si mesmos e vivendo cada vez mais e mais? Quem deseja narcisistas cretinos praticamente imortais?


o sinistro

11.8.06

Chaves

“Sabe por que não dá mais pra ficar com você? Porque você nunca usou a chave que eu te dei. Você sempre chega, interfona e, mesmo que eu esteja avisada pelo interfone, você ainda assim toca a campainha. Toda vez. E nunca nem pensou em me surpreender um dia, me esperar em casa sem avisar, passar aqui e deixar uma lembrancinha besta dessas que gente que gosta deixa. Aí, quando eu uso a chave que você me deu para entrar no teu apartamento sem bater, me sinto culpada. E não adianta dizer que é porque lá não tem porteiro. A verdade é que eu quero entrar na sua casa e na sua vida, e você não quer entrar na minha. E trata de deixar a chave em cima da mesa quando for embora”, ela disse, batendo a porta do banheiro.

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“Um mês, e ela ainda não me deu a chave do apartamento dela. Um mês. Quando você dá a chave do seu apartamento pra namorada, o único jeito de retribuir é que ela te dê a chave do apartamento dela, caceta. É aquela famosa história do ‘eu te amo’: quem diz eu te amo não quer ouvir ‘eu também’, e muito menos, sei lá, ‘ah, que bom’. Tem presentes, declarações, que só se pode retribuir de um jeito, um único jeito, e quando a retribuição não vem, isso quer dizer alguma coisa, alguma coisa muito mais séria do que o gesto original queria dizer: se dar uma chave é um murmúrio, não retribuir com uma chave é um grito. E é por isso que hoje à noite eu vou pedir minha chave de volta, e ela que se foda”, ele pensou, enquanto se barbeava.

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Na gaveta de baixo da mesinha de cabeceira, por sob cartões postais em que os amigos e parentes se gabavam de viagens que ele mesmo nunca faria, guardava chaves em desuso, de casas, gavetas, carros, cofres, o detrito de duas décadas de portas que por um motivo ou outro se haviam fechado definitivamente para ele, e, em meio às lembranças, a chave pequenina, dourada, que um dia recebera embrulhada para presente pendurada em um chaveiro enfeitado por um personagem de desenho animado que, segundo a responsável pelo presente, era “a cara dele”. Enquanto acrescentava uma nova chave à coleção de portas que não mais se abririam, ele tilintou o chaveiro que ainda levava no bolso passados mais de 10 anos, e pela primeira vez pensou em jogar no lixo a desbotada efígie de Hardy Har-Har.

Filthy McNasty

10.8.06

De mãos dadas

A realidade é uma puta de rua. Não foi difícil encontrá-la: ela me abordou na primeira esquina. E aí, vamos? Vamos. Fui com a realidade ao quarto 15 de um hotelzinho sujo do centro da cidade. E então, o que vai ser?, ela perguntou ao chegarmos. Nada, eu disse, eu quero dormir de mãos dadas. Ela demorou a entender. Você não quer foder comigo?, perguntou, irônica. E eu disse não, não quero, eu só quero dormir de mãos dadas. Aí ela desatou a chorar, coitadinha. E o pior é que a realidade não tem consolo. Mas pelo menos naquela noite eu não paguei por ela.

diferença nenhuma

mais uma da série "meus amigos taxistas"

era um dia qualquer da semana e eu peguei uma carona do meu cliente até a av pompéia, fiquei num ponto de táxi na frente do hospital são camilo. entrei no primeiro táxi da fila e expliquei que vinha pro cambuci. o moço me pergunta "a senhora tá bem de saúde, tudo direito?". sim, eu disse, expliquei que fiquei ali na frente do hospital só de carona mesmo. o carro dele era simpático: meio antigo, mas bem limpo e arrumado.

fico com meus pensamentos um pouco, remoendo meu atual problema de stress por conta do meu perfeccionismo excessivo, de trabalho demais, etc. e eu, que não sei ficar pensando quieta, pergunto: o senhor está trabalhando desde que horas? "desde as 4 da manhã, moça" (são 9 e meia da noite), "e só largo lá pras 11 ou meia-noite". eu disse "caramba! até chegar em casa o senhor deve demorar, como o senhor dorme pouco!". ele ri e explica "não, moça, eu moro aqui mesmo, nesse táxi, eu literalmente durmo no ponto!".

peralá. como assim, ele dorme no carro? neste carro que eu estou agora?! olhando melhor, se percebe um certo ar de casa no carro: porta-copos, um despertador "adaptado" no teto do carro ao lado do retrovisor e algumas coisas bem pessoais espalhadas. até um arremedo de abajur tem, mais aqui pro lado que eu estou sentada, atrás. ele me explica que come, toma banho e se ajeita como pode (whatever it means) no boteco ali perto do ponto, o moço liberou o chuveiro pra ele. as roupas ele carrega no porta-malas.

já interessadíssima na história, pergunto: "mas... e sua mulher, família? o senhor tem casa, como é isso?". sentem, que agora é que vem a história.

ele tem seus 55 anos, mais ou menos. foi casado, teve 2 filhos, uma menina e um menino. sua esposa, quando seus filhos tinham 6 anos (o menino) e 1 ano e meio (a menina), decidiu arranjar um emprego "em casa de família" pra ajudá-lo com as despesas, ele era jornaleiro. foi trabalhar na rua lisboa, num apartamento de gente fina. a esposa dele, no fim de um dia de trabalho, enquanto batia papo com a colega e esperava o elevador, abre a porta do dito cujo e entra. acontece que O MESMO não se encontrava no andar e a nossa heroína morreu espatifada no terceiro andar, sendo que ela estava no décimo-segundo. (parênteses aqui para a paula e demais: o mesmo é nosso amigo. se ele estivesse lá, a moça estava viva e essa história não teria acontecido)

depois de conseguir evitar que ele me contasse detalhes minuciosos da posição do corpo da falecida e outros detalhes escabrosos, eu quis saber o que houve. ele ficou com 2 crianças pequenas pra cuidar e trabalhando o dia todo, com não mais que 21 anos. o infeliz tem 6 irmãs, que se recusaram a ajudá-lo a cuidar da menina pequena, dizendo que "criança dá muito trabalho". eu, enxerida: "que vacas...! ops, o senhor me desculpe, sei que é família, mas..." ele não se ofendeu, acho. acabou sendo socorrido pela tia, uma senhora que o ajudou com a menina. o menino foi trabalhar com ele na banca de jornal enquanto não estava na escola.

pouco (pouquíssimo, pelo jeito) tempo depois, diz que uma moça muito bem arrumadinha (sei...) que sempre comprava jornal pro patrão ali com ele todo dia chegou com mala na mão e chorando. resumo: estava grávida e o patrão mandou embora, a pobre não tinha pra onde ir e ai meu deus... ele, bom rapaz que é, acolhe a moça. acolhida a criatura, ele pensa: por que não unir o útil ao agradável? a moça fica aqui, eu a ajudo com o filho que está pra nascer e ela me ajuda com os meus. acordo perfeito! ela gosta da idéia, mas como é moça direita (seeeeeei...) só aceita o acordo se casar, de papel passado. pois eles casam, no cartório com testemunha e tudo o mais. dia seguinte do casamento, quando ele combina de ir pegar a menina pra trazer de volta pra casa e já esquematiza tudo pro menino ficar junto, em casa, a esposa se vira pra ele bem abusada e diz: "e eu tou aqui pra cuidar de filho de outra, é? não senhor, se quiser contrate uma empregada!". bom, pra resumir a história, ele botou a esposa, o barrigão e seus panos de bunda todos na rua e esqueceu do casamento. diz que mais de 20 anos depois ela veio pedir o divórcio e ele até deu, porque ficou com pena (a santa queria casar de novo), desde que não precisasse ver a cara da ingrata. dei até parabéns pra ele, praticamente bati palmas!

bem, a continuação da história é que ele continuou sozinho, os filhos cresceram. a menina já teve dois filhos que ele adora e "ela pede dinheiro só de vez em quando, sabe? eu dou", me conta. o menino, por outro lado, já é um marmanjo de 30 e vive rodeando o pai, pedindo dinheiro, é vagabundo. por isso mesmo ele deu esse jeito de morar no táxi (pelo menos durante a semana: de fim de semana ele vai pra sua casinha em pirituba): desse jeito não tem ninguém querendo morar com ele e nem enchendo o saco. não quis casar mais (não me admira), e quando alguma namorada vem com história de casar ele logo oferece: "vem morar comigo no táxi, princesa!". nenhuma aceitou, até hoje.

zel

9.8.06

Os esquimós têm 24 palavras diferentes para Neve

Os brasileiros têm 422 pra cachaça.

dies iræ

Notas de viagem

— Georgette, como é mesmo aquela história do seu namorado espanhol durante a Segunda Guerra?
É depois do almoço, estão todos recostados nas suas cadeiras, e se voltam para Georgette, que não se faz esperar, e fala. Fala da invasão alemã, da tomada de Paris, da França ocupada, do racionamento, do medo, dos subterfúgios, das maneiras de se sobreviver ileso ou quase em território tomado pelos nazistas, conta tudo com sê porrtugué com forrt sotác de francé — e outras partes em francé legitim —, o que me fez perder muitos detalhes importantes, creio.
Sua história começa em Parrí e desce de trem até os Pirrinê, na divisa com a Espanha, onde morrava o tal namorrád. Seus olhos brilham mais que o normal e vão se enchendo de água enquanto ela se lembra dos detalhes, cantarola a Marselhesa, cita a casa construída em terreno binacional — último lote francês com fundos já em Espanha —, usada para certas clandestinidades, das boas e não tão boas, e de como a casa era usada para a travessia da fronteira, foi nessa casa que...
Toca o telefone.
— Alô? — atende alguém — Oi, querida! Chegou bem? — pausa — Sim, estamos todos aqui. Georgette está nos contando como perdeu o cabaço.

Branco Leone

problema

Eu vendo meu tempo.
E daí eu ganho algum dinheiro
Como ele não é suficiente, eu vendo todo o meu tempo
E daí eu consigo um pouco mais
Mas daí eu não tenho tempo para nada
E me deprimo
ou fico procrastinando os deveres até eles explodirem em cima de mim
Normalmente, eu faço as duas coisas...
Maldita revolução industrial!

deserto

6.8.06

rosa

Começou de forma bem sutil. E não foi assim que nasci, mas ainda na primeira década. Lá pros 8. Tomou conta de tudo. Na adolescência quis renegar. Mania de querer ser grande antes do tempo. Como se tivesse alguma coisa a ver, rá rá. Quanto ficou na moda eu já tinha retomado o gosto. Pois é isso. Ele agora reina absoluto. Começou discretamente, só em algumas roupas. Depois nos sapatos. Uma bolsa. A carteira que a irmã me deu. A pedrinha do colar presente do namorado. Pra finalizar, contagiou o celular. E agora, não me perguntem o porquê, estão me chamando de Sula Miranda no plantão.

sorriso lexotan

3.8.06

Mas como dói

Eu não tenho porta-retratos na parede, na minha mesa nem no desktop do computador, no trabalho. Primeiro porque eu já tenho as imagens dos meus queridos tatuadas onde importa - ou seja, right under my skin -, não acho que a alguém mais interesse que cara eles têm, e depois porque a mesa já tá mesmo atulhada de outras coisas. Além do mais, pra que mesmo é que as pessoas têm porta-retratos no trabalho ? Segundo o Seinfeld (ou o Larry David, vai saber) é pro sujeito não se esquecer de que tem família. Sabe como é, chega o fim do expediente, a pessoa se levanta pensando “agora eu vou encher a cara, sair por aí, pegar umas mulé” (ou dar pruns carinhas, conforme o sexo e a inclinação do(a) trabalhador(a) em questão) e aí, pá, bate o olho nos porta-retratos e imediatamente a ficha cai, o superego acorda e o quem-é diz “uh-oh, não vou poder, olha só, acabei de lembrar que eu sou casado e tem gente me esperando em casa...”. Mas essa é a teoria dele, ou deles. A minha é de que as pessoas mantêm os retratos dos filhinhos inocentes e zoiúdos, da amantíssima esposa, da mãe velhinha, do marido sensacional e dos bichinhos de estimação indefesos, todos ali montando guarda em cima da mesa, encarando firmemente o cidadão, só pra ele não perder as estribeiras a cada vez que ouve uma barbaridade, sofre uma grosseria ou leva um golpe no amor-próprio no horário comercial. É como se as fotos dissessem “Não, papai (ou querido, filhinho etc., cê entendeu), não mete o pé na boca do seu chefe, não chuta a bunda da recepcionista, não dá um rabo-de-arraia no colega, não chama o patrão de babaca, não manda ninguém enfiar o emprego, a vaga na garagem, o contra-cheque lá onde o sol não bate, por favor... você tem que nos sustentar, lembra ?”. E aí me ocorre que talvez seja por isso que eu não tenha parado por mais de dois anos (ou, nos últimos casos, de alguns meses) nos meus últimos empregos : por falta de porta-retratos com chantagem sentimental e despertador de prudência incluídos. Eu continuo satisfeita aqui e continuo não querendo botar as fotos do meu lindo gatinho e da minha gata em cima da mesa, expostos à perscrutação, perguntação e avaliação públicas, mas como nenhum lugar é perfeito, é bem possível que em breve eu também acabe precisando de uns hiperegos desses. Hmmm... será que fica muito estranho se eu emoldurar e colocar em cima da mesa os carnês do plano de saúde, do condomínio, do telefone, da água, da TV a cabo, do provedor de internet... ?

cyn city