29.3.06

Da barbárie

Amo as coisas com a mesma intensidade com que as odeio. Minto. Odeio mais. Infinitamente mais. Sou mesquinho e asqueroso. Um ser menor. Infinitamente menor. Poetizo? Nada mais incerto. Acordo todos os dias com vontade de atraiçoar o mundo. Trair. Enganar. Iludir. Magoar. Acomodo dentro de mim um amor pela maldade. Em Lisboa de todas as coisas que me irritavam pela manhã, nenhuma me dava tanta cólera como os vagabundos. Aqueles farrapos encostados às escadas que descem para o metro. Aquela barba asquerosa. Aquele cheiro. Pena? Nenhuma. Só à tarde. Nunca neguei uma moedinha pela tarde. Sou uma pessoa melhor à tarde. Jamais enxotaria um animal entre o almoço e o jantar. Ao cair do sol posso até com gente. E só Deus sabe como eu detesto gente. A maneira como falam. Como andam. Como respiram. Só respeito surdo, mudo e paralítico. Bem paralítico. E morto. Eu adoro morto. O meu sonho é só um: morrer e passar uns tempos na morgue. O defunto tem todos os defeitos das pessoas excepto a chatice. Com defunto posso eu bem. Como vai? Vou bem, muito obrigado. Como está hoje? Igual a ontem. Quer uma aguinha? Não bebo. Vai um docinho? Não como. Quer conversar sobre alguma coisa? Talvez na próxima vida. O morto é sábio. A vida, uma doença. Não percebo aqueles grupelhos que param o trânsito só para informar que algures no fim do mundo alguém está a morrer. Morre? Deixa morrer. Sou contra a vida. Só atrapalha. É obrigação de todo o homem civilizado lutar contra a sobrevivência. Contra a existência pobre. Insignificante. De todo o género de pessoas no mundo a mais chata é a pessoa boa. A pessoa feliz. A pessoa alegre. A pessoa sorridente. Aquele tipo de pessoa que dedica a sua vida ao velhinho e à criancinha. Eu bato em velhinho e criancinha como desporto. Acredito numa boa dose de maldade. Educada maldade. Moderada, até. Sem a nossa crueldade, a nossa perversidade, a nossa imensa filha da putice o mundo seria um lugar melhor, mais próspero, mais feliz, mas insuportavelmente aborrecido.

Diário

COMPOTA DE NÊSPERA

Ela: “E em vida depois da morte você não acredita meeeeeesmo?”
Ele: “Ha.”
Ela: “Sem chance?”
Ele: “Sem chance.”
Ela: “E vai que – sei lá – eu quisesse mandar uma mensagem do além pra você?”
Ele: “It won’t happen, babe”.
Ela: “Uma mensagem minha, poxa.”
Ele: “Desculpa: eu não ia acreditar.”
Ela: “E se uma pessoa te dissesse que tinha um recado meu pra você?”
Ele: “Eu mandava passear.”
Ela: “E se ela te mandasse um e-mail?”
Ele: “Eu deletava.”
Ela: “E se a pessoa insistisse, fosse até sua casa?”
Ele: “Eu batia a porta na cara”.
Ela: “E se ela encostasse a boca na fresta da porta fechada, pedisse uma última chance; aí falasse pra você encostar o ouvido no outro lado da porta, e então sussurrasse que eu pedi pra te falar ‘compota de nêspera’ – você acreditava?”
Ele: “Ah.”
Ela: “Fala.”
Ele: “Ué.”
Ela: “Fala, caramba.”
Ele: “Acreditava.”
Ela: “Mesmo?”
Ele: “Com ‘compota de nêspera’ eu acreditava que era você.”
Ela: “Então tá. Que bom. Só pra saber.”
Ele: “Certo.”
Ela: “Esquece.”
Ele: “Esqueci.”
Ela: “Sério.”
Ele: “Já esqueci, ué.”
Ela: “Ok. Agora acorda, baby. Devagar, bem devagarinho. Viu?”

Travesseiro branquinho do lado. Limpo. Frio. Vazio.

Ao Mirante, Nelson!

27.3.06

CLOACA MAXIMA

Enquanto caminho olho para as luzes nas janelas dos prédios. De uma menorzinha a lâmpada se apaga. Banheiro, penso, alguém acabou de fazer algo no banheiro. Irrefletidamente olho para a calçada e imagino o que passa sob os meus pés. Esgoto, civilização é esgoto.

(…)

Somos feitos assim: precisamos de comida, portanto, de um aparelho digestivo, ergo, também de um excretor. Olho para a minha barriga, imagino os meus rins, bexiga e uretra como uma ilustração de livro de medicina. A engenharia é filha da anatomia: a Cloaca Maxima, primeiro esgoto de Roma, obra da gestão de Tarquínio Prisco, que também deve ter mandado construir vários templos, afinal, ele, assim como os outros romanos e eu mesmo no século vinte e um, ele sabia: um dia esses rins vão parar de funcionar. A religião é o medo da falência dos órgãos.

(…)

quarto BLOGAUTI

conversas furtadas

EXAME PELO SUS

— Qual é o seu nome?
— Jucemara Martins...
— Jucemara, qual o seu ciclo menstrual?
— Leão.

EU SOU PO-E-TA

— Ela é uma poeta.
— Poeta a gente trata com medicação pesada.

conversas furtadas

Discurso do Sexo

Que homem nunca ouviu uma mulher discursar sobre sua complexa sexualidade? Quem nunca teve o desprazer de escutar algo do tipo: possuímos sabe-se lá quantas zonas erógenas; nosso orgasmo é mais intenso e é múltiplo!; a mulher é uma intrincada máquina que precisa ser estudada, desvendada aos poucos e nos mínimos detalhes.

E continuam: porque um homem que não descobre os segredos da mulher está perdendo um grande prazer, ele pode ter mais da mulher se...

Isso é horrível. Sempre que escuto algo do tipo eu mostro o meu relógio de pulso. Aqui ó! Tá vendo? Ele é cheio de botões, funções, programas, cronômetros mil! E sabe do quê mais? Eu não estou nem aí. Ele me diz as horas. É tudo que eu preciso. Eu nem mexo nos botões, não aperto em nada. Olho para o relógio e ele me mostra o horário.

Muitas mulheres compensam a falta de orgasmo com o patético fetiche de dizer que, se tivessem um desses tais orgasmos, ele seria múltiplo. Gabam-se de sua complexidade porque não a conhecem. Ninguém se gaba daquilo que sabe. O único idiota que se orgulha de ter o Discurso do Método na estante é aquele que nunca leu o Discurso do Método. Diz-se que o homem perde ao não desvendar a sexualidade feminina. Bem, diga ao cara da britadeira ali da esquina que ele seria um cara da britadeira muito melhor se lesse Discurso do Método. Mas ele não precisa de Descartes. Ele sabe fazer o serviço dele; sabe usar seu instrumento.

Todo o louvor da mulher em relação a sua complexa sexualidade feminina é, na verdade, um grito desesperado por ajuda. É, sim. Um gutural urro que, traduzido em linguagem humana, significa mais ou menos: pelo amor de Deus, não sei o que fazer com todas essas zonas erógenas! Sou uma náufraga perdida num mar de baboseira cartesiana! Me come! Seja o meu Cambridge Companion to Whores.

(…)

Manobra, 1979

25.3.06

LITTLE PLOP OF HORRORS ou CONVERSA PRIVADA

Eu tenho uns medos estranhos. Quer dizer, eu não vejo nada de estranho, acho cada um perfeitamente lógico e bem fundamentado, mas a maioria das pessoas ou acha graça ou diz que eu sou fresca quando falo deles. Por exemplo, eu tenho pavor absoluto de panela de pressão. E depois que uma delas estourou lá em casa (felizmente eu não estava), decorando o teto e as paredes da cozinha com uma camada texturizada e supermoderna de feijão cozido, quase matando a empregada do coração e tirando pelo menos umas quatro das sete vidas da Nina, acho que elas também concordam comigo. Outra coisa que me dá medo é o tal do botijão de gás. Aliás, eu não gosto de gás de jeito nenhum : demorei mais de dez anos pra criar coragem de acender o fogão direto com um fósforo, sem precisar de acendedor de faísca nem de um palitão comprido daqueles de churrasquinho - justo quando consegui, apareceram os fogões com acendimento automático –, e sempre que passávamos férias no Rio, em apartamento alugado, eu preferia voltar da praia e tomar banho gelado a ter que me entender com o tal do aquecedor a gás. E por último, tenho medo de soda cáustica, diabo verde e demais coisinhas corrosivas usadas em limpeza. E é por isso que ultimamente também ando no maior medo de sextas-feiras.
O problema é que a diaba não verde da minha empregada sempre dá um jeito de entupir, justo nos finais de semana - parece de propósito - o vaso do meu banheiro. Não sei se ela joga lá dentro todos os cabelos caídos na pia, os pêlos da Nina, rolos inteiros de papel higiênico, o resultado da varrição da casa, a caixa de areia da gata, macarrão cozido, purê de mandioca com bubbaloo banana ou borracha vulcanizada, ou ainda se larga um superhiperultramegateradump atômico no meu banheiro antes de ir pra casa. Só sei que normalmente eu saio para o trabalho na sexta com todos os equipamentos sanitários positivos e operantes, e quando volto já deu chabu. Como até não tenho medo, mas morro de nojo daquele desentupidorzão, normalmente resolvo tudo na mais pura tradição bioquímica e bicho-grílica, sem agressões à natureza : jogo colheradas de coalhada – desnatada, ainda por cima, olha que chique – lá dentro e deixo que as bactérias do iogurte se banqueteiem (ugh) com qualquer, hã, hum, matéria orgânica que possa estar bloqueando o caminho das águas para o mar, ou pelo menos para o esgoto menos próximo de mim. Normalmente funciona, e normalmente funciona na pia também, tanto na do banheiro quanto na da cozinha, e até mais nesta última, já que bacteriazinhas adoram uma gordura - e aparentemente não se importam com o que isso faz com seus corpitchos na hora de vestir um biquíni realmente microscópico ou um jeans justinho e ir paquerar uns protozoários.
Só que da última vez a coalhadinha não adiantou. Achei que era questão de quantidade, e mandei mais iogurte natural light lotado de S. thermophilus e L. bulgaricus famintas pela goela abaixo da privada. E nada. Antes que eu me visse obrigada a apelar para meus corpus diet com polpa de fruta, e ainda crente no poder dos microorganismos, ataquei de yakult, começando a suspeitar que talvez estivesse gastando mais do que devia com aquela merda (sim, a essa altura meus já parcos bons modos estavam se esgarçando cada vez mais), e imaginando a figura ridícula que eu devia estar fazendo, alimentando de colherinha ou de garrafa aquela maldita Audrey II de porcelana. Mais uma vez não adiantou. Teimosa que sou, não me dei por vencida nem corri ao supermercado mais próximo atrás de soda cáustica. Pra falar a verdade, minha nova idéia passou mais perto foi da outra soda, a limonada : me lembrei das inúmeras historinhas ouvidas desde a infância sobre os poderes corrosivos da boa e velha tota-tola, mas, recusando-me a despejar minhas preciosas latinhas de light no vaso, pedi ao gatim pra ir à padaria da esquina comprar da outra. Porque, pensei, de repente o açúcar contido nela ou corroía o obstáculo, como faz com os dentes e mucosa estomacal das pessoas, ou pelo menos tornava a caca mais palatável para as bacteriazinhas e bacilos que ainda estavam fazendo a festa lá dentro. Só fiquei com um pouco de medo da privada arrotar, e imaginando se não seria o caso de já mandar um rum e limão por cima também, pra liberar a cuba de vez, mas achei melhor adiar um pouco, esperar que todo aquele povo microbiológico lá dentro se conhecesse melhor, sei lá, antes de introduzir álcool na mistura.
E veio o gatim com as latinhas vermelhas, geladas, cujo conteúdo eu despejei no vaso, morrendo de dó. Isto feito, abandonei o local por uma noite inteira, que era pra não interferir com qualquer processo que estivesse acontecendo por ali. No dia seguinte, após algumas descargas vigorosas, tudo o que era doce, desnatado, carbonatado, lácteo e/ou extremamente desagradável foi por água abaixo, finalmente. As manchas escuras que a tota-tola deixou na louça branca foram resolvidas com uma boa quantidade de espuma de barbear hidratante e mentolada aplicada e deixada lá por mais algumas horas (porque eu também tenho um certo nojo de escova de privada e porque sou coerente : heterodoxa até o fim), e depois de mais alguns jatos de pura força hidráulica, o vaso ficou 0 km, prontinho pra empregada chegar na segunda-feira e recomeçar com seus planos malignos de embranquecer totalmente meus cabelos – e depois de fazê-los cair, brancos, jogar todos no vaso e começar de novo... mas por enquanto, suspirei aliviada. Já estava começando a ter pesadelos com o vaso ficando mal-acostumado, cantando Mean White Mother e exigindo uma porção de tacos, um aguacate con gamba, um vidro de tabasco, umas três margaritas e um sal de frutas... or else.

Sim, duas seguidas de Cyn City

YOU ARE YOUNG AND LIFE IS LONG AND THERE IS TIME TO KILL TODAY

Encontramos uma foto de mim aos 22 anos, na praia. Nela estou de biquíni vermelho e branco, os pés na exata linha em que as ondas se transformam numa renda frágil e delicada, mas para facilitar a vida do fotógrafo, estou voltada para o sol, para o leste, feito uma Vênus tropical que, decepcionada com a terra firme e já sem sua concha, tivesse decidido voltar a pé pra casa. O corpo que na época eu achava feio, magrelo, sem graça e sem charme agora me parece bonito, esguio, tão proporcional que, só pela foto, seria impossível de se calcular minha altura. Mas não é a perda da cintura fina, dos seios altos, da pele firme e bronzeada, sem cicatrizes, que eu sinto. Nem muito menos saudade daquele tempo infeliz. O que eu sinto mesmo é alívio por não existir nenhuma máquina do tempo ou outra geringonça de ficção científica que pudesse nos colocar, a mim e àquela mocinha tímida, frente a frente. Porque se isso acontecesse, tenho certeza de que ela ia ter muitos e bons motivos pra querer me cobrir de porrada. E eu a ela.

Cyn City

Morte Anunciada

E tem alguma que não é?

dies irae

Tio Lódio

- Vai espantar a chuva, Saulo.
Eis o que meu tio me diz todas, rigorosamente todas, as vezes que saio de casa portando meu guarda-chuva. Ele é grande (o guarda-chuva, não meu tio, que apesar de bombeiro é um homem de porte médio), fato, mas nem por isso merece ser menos respeitado ou precisa ouvir a mesma piada sempre que seus serviços são requisitados.
A verdade é que, em se tratando de senso de humor, meu tio opta pela regularidade. É um homem tradicional, não gosta de arriscar, vai sempre nas confirmadas. É me ver em casa num sábado ou domingo que ele rapidamente saca um "o Saulo em casa", pronunciado com espanto (herança dos já longínquos tempos em que eu passava todos os finais de semana nos meus primos. O hábito se foi, a piada ficou).
Também tem a frase para o momento em que um jogador de futebol perde um gol feito: "barbaridade, só fazem isso da vida e ainda erram". Raciocínio interessante. Experimenta o engenheiro errar o cálculo e desabar a ponte pra ver no que dá. Isso até deve acontecer, na verdade. Ocorre que não existem engenheiros de fim de semana no mesmo número em que há peladeiros por aí para palpitar.
Outra: estou eu lá, comendo e lendo o jornal ao mesmo tempo, hábito antigo que cultivo, chega o tiozão e manda um "cuidado pra não comer o jornal e folhear a comida".
E ri. Sempre ri, depois de todas essas piadas. Eu rio junto. O segredo da vida é saber extrair diversão das coisas.

Mujique

24.3.06

Uma explicação desnecessária mas que mesmo assim vale a pena.

Uma série de comentários e de mails alertam-me para o carácter amoral, imoral e vergonhoso dos posts deste blog intitulados «O Cantinho do Hooligan». Eu sei. Sei que são amorais, sei que são imorais e que a maior parte deles, não sendo vergonhosa, me devia fazer corar de vergonha caso se tratasse de uma coisa séria. Mas não. É futebol. Não lhes retiro uma linha, uma vírgula ou um pigmento de desvergonha. Sou um hooligan. Interesso-me vagamente pelo 4x4x2 e não posso dizer que pelo 4x3x3 tenha uma paixão de vários anos; o 3x3x4, esse, deixa-me a pingar de comoção, mas só porque serve para contrariar. Rio-me depois de escrever isto. Conheço os alas, o papel do trinco, a beleza do jogo tirado a régua e esquadro, mas nada me deixa mais comovido do que uma jogada bem feita, se for da minha equipa. Também ouvi um cavalheiro que passa por ser o Rui Santos perorar durante 35 exactos minutos sobre questões estratégicas e de «planificação política» acerca de um penalty mal assinalado, de uma coisa que chamam «património do clube» ou de um tornozelo especialmente preparado para levar traulitada. Há mails e posts de outros blogs que referem os meus «cantinho do hooligan» como produto de uma alma perturbada, se se der o caso de eu ter alma, ou de um cérebro desequilibrado, coisa de que eu abdico quando se trata de ver futebol como eu gosto de ver futebol, que é entre gente que dispensa sermões, moralidade a todas as horas do dia e declarações de concordância com Gabriel Alves. Quando eu menciono Gabriel Alves ou Rui Santos, esclareço que não ponho em causa a idoneidade profissional dos cavalheiros enquanto comentadores de futebol, coisa que não me interessa grandemente. Eu sou um hooligan nessa matéria e já vi jogos de futebol entre os Super Dragões, tal como entre o pessoal da Torcida Verde e até à beira dos Diabos Vermelhos -- mas só conheço os hinos dos Super Dragões («ninguém cala a nossa voz» é o melhor, esclareço desde já). Tenho cachecol, cartão, irresponsabilidade reconhecida e várias camisetas do FC Porto. Não estou muito interessado em reconhecer que o João Moutinho é um bom jogador (em momentos de sobriedade absoluta até gosto de Polga, porque era gremista, ou de Liedson e de Carlos Martins e Miguel Garcia) porque isso não faz a minha felicidade -- coisa que já acontece quando um dos meus marca um golo, sejam eles McCarthy, Lucho, Quaresma, Adriano ou Raul Meireles. Mas se me pedirem muito sou capaz de enumerar uma lista de onze bons jogadores da Liga, só contando com o Sporting, o Braga, o Guimarães, o Nacional ou a União de Leiria. Não me interesso pelos limites estritamente legais do jogo da bola. Prefiro que sejam tribunais comuns a julgar aquela gentinha que anda à volta do assunto. Acho que os ábritros não deviam obedecer à Liga nem à FPF. Acho que Scolari é um burro, futebolisticamente falando, mas gostava dele no Grêmio; tal como Mourinho era um chato tremendo antes de ter ido para a União de Leiria e para o FC Porto; o próprio Jardel era genial enquanto estava no FC Porto mas passou a ser um desgraçado de um cearense quando foi para a Turquia e depois se perdeu em Lisboa. Continuo a admirar Jorge Costa.Não se enfureçam nem tentem evangelizar-me, chamar-me à razão, educar-me os modos, civilizar-me, lembrar-me «a beleza eterna do grande futebol» (sim, ela existe em algum lado). Agradeço as lições e os conselhos amigáveis para que recupere a minha sensatez e algum pudor além do sentido de justiça. Mas isto é só futebol. De cada vez que Petit cai rasteirado, de cada vez que Simão falha seja o que for, eu sinto-me mais próximo da felicidade. O mesmo acontece quando a França ou a Itália perdem um jogo. Para mim, Pavão jogava futebol como ninguém. Tenho um poster de Cubillas envelhecido, mas guardado nos meus caixotes. Se insistirem falo de Rolando, de Celso, Eduardo Luís, Madjer, Juary, Gomes, Derlei, Deco e também de Domingos, Jaime Magalhães, Bené, Marco Aurélio, Duda, Teixeira e Teixeirinha, Gabriel, Oliveira, Rolando – a primeira equipa da minha memória, que contracena com outros nomes mágicos de outros tempos: Monteiro da Costa, Pinga, Virgílio, Pedroto, Barrigana, Hernâni, Seninho ou Siska. Mas não é isso que me interessa. O hooligan do «cantinho do hooligan» não se interessa nem por isso. Ele só ri. Mesmo quando perde um jogo, ele ri. E é a vida, assim.

Um hooligan darwiniano, n'O Origem das Espécies.

O rio e o céu compartilham do mesmo cinza e se cobrem da mesma bruma de início de outono. O mundo parece que termina naquelas poucas árvores, logo ali, antes do cinza. E termina mesmo.
Todo o resto existe dentro.

Não Discuto, por Patrícia Antoniete

23.3.06

Sai de mim, Rubem Braga

A crônica é o mais cretino dos gêneros literários porque é o único que se dedica completamente à celebração do homem comum. Quando é um homem incomum celebrando o homem comum, temos uma crônica boa (se é que existem crônicas boas. Estou deduzindo a existência de uma crônica boa por raciocínio, mas nunca li nenhuma). Em outras palavras, temos um homem incomum ao mesmo tempo escrevendo bem e sendo demagógico; elogiando quem está abaixo dele e seu estilo de vida e lhe dando um tapinha sintático na cabeça.

Quando é um homem comum celebrando o homem comum, temos todas as outras crônicas que já vimos na vida, em todos os jornais. Olha lá o cronista sentado no banco da praça olhando os passarinhos. Os próprios passarinhos o odeiam. Se os passarinhos escrevessem crônicas, seriam textos xingando Rubem Braga de corno e Paulo Mendes Campos de sifilítico. A obsessão dos cronistas (e dos músicos populares) por passarinhos é estranhamente parecida com a obsessão de um autista por duas dezenas de clipes caídos no chão. Vai ler um livro!

Ou então está no banco da praça falando dos, meu Deus, “tipos de minha infância” pra quem chegar perto. O Zé Bolacha, que comia muita bolacha! A Maria da Sarna, que tinha sarna! O Juca da rua de cima, que era dono da bola de capotão! Quando leio as palavras “bola de capotão”, fecho o livro; mas tarde demais, porque já devia ter fechado na palavra “Zé”.

Por favor, não me fale dos seus joelhos esfolados de guri, nem da professora azeda que um dia (oh!) chorou na classe por causa da morte da filha dela, lhe ensinando assim que pessoas azedas também choram e lhe dando para sempre uma lição da fragilidade da vida! Nem da menina que fazia favores sexuais no terreno baldio atrás da marmoraria. E se for jornalista faz tempo (por oposição ao cronista-romancista e ao cronista-publicitário), chega de anedotas pitorescas sobre Adolpho Bloch, entremeadas por mais anedotas pitorescas sobre Adolpho Bloch, e passando por anedotas pitorescas sobre Samuel Wainer (“um dia ele tirou a meia e ih, rapaz, tava fedido. Aí o Filinto Muller disse “Ih, rapaz, cobre isso”. Daí eu fui trabalhar no Zero Hora”). Cronistas-jornalistas acreditam que Adolpho Bloch era uma espécie de Samuel Johnson, e que os menores detalhes de sua vida merecem ser recordados. Não, nem os fatos principais da vida de Adolpho Bloch merecem ser recordados. Quero esquecer quem foi Adolpho Bloch com a volúpia dos desesperados. E o primeiro que chamar Samuel Wainer de Samuca vai levar com a minha edição das Obras Completas de Carlyle no nariz.

(…)

Alexandre Soares Silva

E Deus Criou o gol roubado

Gol é bom, mas o gol roubado é divino.

Existem gols feios, existem gols bonitos, mas o gol roubado é perfeito, irretocável, sempre bem-vindo: só poderia ser obra do homem lá de cima.

Gols espíritas, então, nem se fala. São os mais roubados de todos. Não se limitam à esfera humana, subvertem também as leis naturais.

Gol roubado: o grande momento do futebol.

Fantasma do Maracanã

22.3.06

Allegra, Allegra

Rastejando pela casa com a mãe de todas as gripes. Na verdade, as minhas gripes nunca são inofensivas, elas sempre são a mãe das seguintes. De uma fecundidade impressionante, as minhas gripes. Eu deveria descobrir seu segredo.A quantidade de espirros dados de ontem para hoje deve ter produzido mais efeito nos meus abdominais que um mês de Pilates. Diário.E o Dimitri, no esplendor e glória de sua fase de muda, insiste em rondar o computador e espanar a minha cara com seu rabão em leque, quando eu sou capaz de gastar outra caixa de Kleenex só de olhar para uma foto dele. Algo me diz que vou postar muito hoje.

Aspergido por Scarlet Letters.

21.3.06

ENFIM, LIVRE!

(…)

- Cara, pensei que eu fosse morrer dentro desse vestido.
- Ah, é um belo vestido pra ser enterrada.

CALABOCA que eu tô falando!

...

Acabei de descobrir que não adianta nada realizar uma lista de desejos quando não se é capaz de perceber o tanto que a vida já deu. Tô tentando abrir os olhos...
Estava zapeando a TV e parei numa cena onde perguntavam para uma garota o que ela julgava mais importante: fé, amor ou esperança. Deu falha de energia, a luz piscou, a TV desligou, ligou de novo e eu perdi a resposta. Quando o filme voltou, não conseguia mais prestar atenção em nada porque precisava chorar um pouco minha falta de fé, esperança... O filme acabou sem que eu ao menos soubesse do que se tratava. Acho que deixei a TV ligada só para as vozes dos locutores me fazerem companhia.

(…)

Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados

NO SUBÚRBIO - PARTE I

Na calçada estavam reunidos em três. Dois deles, recentemente banhados nas águas turvas do Lethe, tiveram forças de nadar contra a correnteza, enganar o barqueiro e, amoitados, esperar a chegada da manhã. Manhã que os encontrou numa unidade de tratamento intensivo qualquer. No mais velho deles, o peito cicatrizado já parara de doer, safenas e mamárias irrigando satisfatoriamente um velho músculo. Meu pai era este. O que continuou pulsando em seu peito de estivador foi sem dúvida a melhor parte de seu coração. O humor não o abandonou, pelo contrário, a ironia cerebral ganhou uma ternura física como companheira. Após sair do hospital, aquele homem acostumado a superfícies ásperas, trabalhador de madeira e lâminas, deteve-se em certa ocasião acariciando meus cabelos por um longo tempo. Aceitei o afago com aquela atitude contida de ornitólogo que teme que o menor movimento destrua um trabalho de observação longo e laborioso. Confessou-me seu amor e admiração. Escutei solenemente meus uirapurus. Mas divago.

O outro mergulhador chamava-se Horácio. Este, sobrevivente de um derrame cerebral grave. De homem ativo e ágil, tornou-se lento e contemplativo. “Parece que eles abriram minha cabeça aqui, não foi? O que eles usaram?” “Uma serra, um serrote, uma coisa assim”, responde o terceiro homem, um açougueiro de aproximadamente quarenta anos. Autoridade em assuntos de abrir e retalhar. “E pelo resultado, acho que o serrote estava cego”, emenda o ex-marceneiro. Horácio sorri seu sorriso fartamente desdentado, infantil. Ao seu aspecto asseado e pueril lhe caia muito bem o talco posto em seu peito por uma mulher, senão amorosa, ao menos caridosa.

Certos convalescentes parecem mesmo passarinhos caídos do ninho. Exceto que, como meu pai, Horácio estava de muito bom humor sentado em uma cadeira de balanço na calçada. Eu prefiro tamboretes pequenos para prosear. Mas eu sou o quarto homem e cheguei quando o grupo já estava composto. O terceiro era o tal açougueiro recém estabelecido na vizinhança. Mas já com desafetos. Apesar de simpático, queixava-se de uma denúncia anônima que haviam feito acerca das condições sanitárias de seu comércio. Nada se comprovou; estava feliz. “Tem gente que não pode ver o progresso do outro. A vigilância sanitária veio aqui. Disseram que meu estabelecimento comercial estava ‘o dez’ e foram embora.” Alguém sugere algo sobre propina, mas resolve não levar a brincadeira adiante: alvo fácil demais. Ao invés disso, passamos a especular que a única pessoa quase sem coração, capaz de uma sacanagem desse tipo só poderia ser meu pai. Este ouve o achincalhe com aquela certeza quieta de quem, no campo da pilhéria, sabe se defender bem. "Havendo boa vontade do comerciante, estou pronto a me calar. Qualquer contra-filé me silencia. Mas a carne tem de ser de outro açougue”.

Não prosseguem no assunto. Preferem discutir minha condição de homem descasado. O açougueiro aprova o celibato, lembra-me seu irmão da marinha mercante e suas três amantes em diferentes portos brasileiros. Um clássico da poligamia a ser seguido. Os dois mergulhadores discordam e me lembram que já não sou uma criança. “Somente quem passa pelo que a gente passou é que sabe o valor de uma família e de uma mulher”, filosofa meu pai com seu pragmatismo emocionado. “Eu tenho outra mulher no Ibura. Não veio me ver até hoje. Nem sei se sabe da minha doença”. “E sua mulher sabe da outra, Horácio?”, pergunto. “Ave Maria, não!” “Nesse caso, como essa vizinhança não pode ver o progresso de um cristão, talvez fosse melhor você não falar muito sobre esse assunto”. Todos aprovam a sugestão, embora Horácio estivesse mais propenso a entrar em detalhes.

Segunda Mão

19.3.06

A lata, o gato e o imbecil

Desde que o mundo é mundo, gente desocupada passa a vida pensando numa nova maneira de importunar quem está trabalhando, quem está sofrendo, quem precisa de ajuda. Daí, acredito, a necessária criação do ditado "Ajuda mais quem não atrapalha".
Um exemplo recente é o e-mail que circula por aí há mais de um ano, dizendo que o Hospital Sírio-Libanês oferece tratamento gratuito para câncer de mama, o que, segundo a mensagem, inclui "internação, anestesia, equipe cirúrgica, remédios, exames e imediata reconstrução da mama mutilada" (tudo de graça!), bastando para isso que a candidata faça uma consulta (igualmente gratuita), agendada por telefone.
Ora, se isso não é mentira completa, é verdade parcial: esse hospital, assim como qualquer outro, mantém convênio com o (Des)Serviço Único de Saúde, e atende gratuitamente por mês umas tantas pacientes com essa enfermidade: vinte, segundo o próprio hospital, em nota distribuída à imprensa. E, muito importante, diz a nota que é o próprio (d)SUS que encaminha a paciente a esse (ou a outro bom) hospital, se a paciente tiver pelo menos essa sorte.
Fico aqui pensando que espécie de canalha chega ao computador, cria uma "notícia" como essa, e depois fica sentado, olhando o teto com o sorriso próprio do imbecil que é, imaginando mulheres numa situação de extrema fragilidade provocada por uma doença mortal, crédulas por falta de melhor opção, voltando-se com todas as suas lágrimas e incertezas para a esperança de serem bem tratadas por um hospital de alta qualidade, para, em seguida, serem imediatamente decepcionadas, logo ao final do telefonema.
Este é um caso. Há outros, às centenas, de crianças doentes, seqüestradas ou desaparecidas, mutiladas, à morte. Os desocupados, por terem muito tempo para elaborar suas asneiras, imploram que você reenvie a mensagem "para todos da sua lista" porque, para cada e-mail reenviado, uns poucos centavos serão doados à criança em questão, como se houvesse uma maneira capaz de contabilizar o envio de mensagens com qualquer acuidade. "— Vamos salvá-la", diz o filho da puta, que deseja apenas uma coisa: ver seu e-mail circulando o mundo, como quem prende uma lata ao rabo dum gato e fica ouvindo o barulho que ele faz durante a noite, correndo desesperado pelo bairro.
A lata é a mensagem, o bairro é o mundo, e amarrar um troço ao rabo dum gato é a obra máxima que um imbecil pode criar.

branco leone

17.3.06

CECI N’EST PAS UNE DÉCLARATION D’AMOUR

Porque eu te encontrei aos 33 do segundo tempo, quando achava que já não havia esperança de encontrar alguém tão imperfeito para o mundo e tão perfeito pra mim. Porque fomos amigos antes, e de verdade. Porque fechamos muitos bares, só os dois, e amanhecemos conversando, depois que todo mundo já tinha ido embora, e o assunto não acabava. Porque o assunto ainda não acabou. Porque você também sentiu as mesmas coisas, e disfarçou do mesmo jeito, até que os amigos matchmakers desistissem. Porque você havia me conhecido e amado quando eu tinha treze anos e, burra, nem reparei em você. Porque você não se casou com a outra, a fanha, racionalizando que tinha mais de 30 anos e “tava na hora”, como tantos, tantos homens fazem. Porque você nunca foi ciumento, porque gostava de me ver de saia curta quando minhas pernas eram bonitas. Porque você ainda acha minhas pernas bonitas. Porque não se importou de não ter filhos, quando era óbvio que os queria e que seria um pai muito doce e lindo. Porque é tão parecido comigo em certas coisas e tão diferente em outras tantas. Porque deixou de detestar gatos e se apaixonou por eles depois que adotamos a Nina. Porque quis que adotássemos a Nina, mesmo não gostando de gatos, só porque eu gostava. Porque você agüenta que eu corrija o seu inglês e questione sua gramática sem ficar ofendido. Porque você me ama quando eu sou mulherzinha, quando eu sou fodona, quando eu sou criança, quando eu sou chata e porque se afasta discretamente quando eu viro monstra, mas volta logo, e às vezes apressa a minha volta ao normal fazendo palhaçada pra eu rir. Porque mesmo quando você tá deprimido, se eu ficar triste ou assustada você me abraça e diz que tudo vai ficar bem. Porque quando você tá deprimido fica com essa temperatura de febre deliciosa e suporta eu te agarrando o tempo todo. Porque você tem as palmas das mãos e as solas dos pés finas e macias como as de um bebê, muito mais do que as minhas. Porque você é mais sincero e honesto do que qualquer pessoa que eu conheça, em todos os sentidos, e sem ser chato, palmatória do mundo nem santarrão. Porque você é bom de verdade, sem achar que isso vai te dar o céu ou te livrar do inferno numa hipotética vida após a vida. Porque quando criança, você chorava ou criava caso – e apanhava, porque sempre foi de paz - quando humilhavam algum amiguinho seu, em vez de se juntar à gangue dos bullies, como a maioria das crianças faz. Porque você tem tantos talentos e é tão nonchalant com relação a eles que eu só fui descobrir alguns depois de 5 anos juntos. Porque podemos falar de astronomia – nesse caso, você fala e eu escuto -, filosofia, cinema, fofocar sobre astros de Hollywood ou contar piada de pum com a mesma naturalidade e (alto) grau de diversão. Porque você é quase sempre bem-humorado, gentil, educado e fofo. Porque você tem a boca mais delícia e macia e lindinha do mundo, mesmo quando dorme com ela aberta e ronca. Porque você prefere dormir no sofá do que ficar confortável na cama sem me deixar dormir com seu ronco. Porque você não é machista nunca, nem comigo nem com ninguém. Porque às vezes nós somos dois caminhoneiros, grossos com Ç, e mesmo assim você nunca fica horrorizado comigo nem deixa de me tratar como a sua menina. Porque às vezes você me trata como se fosse meu pai, ou meu neném, ou meu melhor amigo, sem nunca deixar de ser meu homem. Porque você nunca deixou de me achar gostosa e demonstrar isso, estivesse eu magra, gorda, imensa ou mais ou menos. Porque você gosta quando eu rio com você mas não se importa, não fica griladinho nem incorpora um Tommy de Vito se eu rio de você. Porque você também me acha engraçada e isso não te ameaça de forma nenhuma. Porque quando eu tô mal, infeliz, doente, triste ou com medo, você me abraça e em vez de mentir ou fazer promessas vazias, você só me diz “Vai passar”, e isso é a única coisa que me acalma. Porque você ama meu pai, minha mãe, minhas irmãs e meus sobrinhos como se fossem seus também. Porque você às vezes acorda no meio da noite e fica com vontade de me abraçar, mas não abraça pra não me acordar porque sabe o quanto eu gosto de dormir. Porque você não liga que eu não faça depilação todo dia ou semana, as unhas nunca, o cabelo jamais, e não se importa de me beijar e depois sair de batom, por menos que ele combine com seu cavanhaque. Porque você deixa que eu decida se você vai manter ou tirar o cavanhaque, a barba, que roupa você vai vestir, de que tamanho vai ser o seu cabelo. Porque quando eu corto seu cabelo curtinho você vira meu bichinho de pelúcia e eu não consigo parar de te fazer cafuné. Porque pra falar a verdade, eu não consigo nunca tirar as mãos de você. Porque você também não consegue tirar as mãos de mim. Porque até hoje ainda gostamos mais de conversar um com o outro do que com praticamente qualquer outra pessoa, mas não ficamos emburradinhos se um dos dois engata uma longa conversa com outra pessoa. Porque nós dois estamos sempre juntos contra o mundo, mas nunca – ou quase nunca – um contra o outro. Porque nossas brigas são poucas e de curta duração. Porque você me manda emoticons novos e fofos pelo msn. Porque quando eu olho pra você consigo ver a criança que você foi e o velho que vai se tornar, e amo os dois também. Porque você não dá chilique quando eu digo que fulano é bonito, sicrano é interessante e que beltrano “eu pegava”. Porque você confia em mim e merece minha confiança. Porque você tem olhos cor de mel, mas não é por isso que eles são tão doces. Porque por mais que eu escreva coisas aqui, eu nunca vou conseguir chegar a um centésimo das razões pelas quais eu até posso, mas não quero, não quero, não quero nunca nunca nunca viver sem você. É por isso, por tudo isso, que eu não ganhei na mega-sena acumulada, e é por isso que provavelmente nunca vou ganhar nem uma quinazinha ou uma mísera quadra. É porque provavelmente a sorte tem que ser distribuída com alguma justiça entre as pessoas, e afinal, eu já ganhei na loteria faz tempo. Pra ser mais exata, há sete anos, quatro meses e vinte e nove dias.

Cyn City

16.3.06

And The Sign Said...

Só Jesus salva.

Mas se Deus faz backup das almas, posso reiniciar mais tarde?

O inferno desagrada por definição*. E a hipótese de que se evolua a cada encarnação, feito a comissão de frente da Mangueira, é otimista ao extremo -- e naturalmente errada. Só o backup salva.

E pela fundura espiritual que observo nas ruas, acho que dois gigas dá e sobra. Não precisa nem zipar.

DVD burner, a chave do céu: só hoje, preço de ocasião.

(*) para a mulher, a morte já é o inferno, mesmo que vá pro Paradise Palace Hotel. Viajar sem ter uma ou duas semanas pra fazer as malas? qual a graça? E a hipótese do purgatório é de todas a mais temível. Se as portas "giratórias" dos bancos já evocam rebuliço, que dirá um detector de metais infinito? É a morte...

dies iræ

Ortopedia

Fratura exposta, pinos no braço esquerdo e um osso instável. Meu ombro vive se deslocando, é horrível. Para colocá-lo no lugar novamente é uma dor miserável! Eu também tenho problemas na coluna cervical. De vez em quando não consigo nem mexer a cabeça. Desenvolvi tendinite na mão direita, acho que por causa do trabalho. Quebrei o dedo médio três vezes, todas jogando vôlei, e por isso ele é completamente torto. O pulso eu torci quando era moleque, andando de skate na rua com os amigos, mas até hoje ele dói - basta o tempo mudar. Por isso eu prefiro que não nos abracemos. Espero que você entenda.

Vulgo Dudu em Parágrafo Único

Relou beibes

(…)
A gata gorduchona e laranja, se joga em cima dos meus pés, mal eu me sento na frente de la computadora, e dorme o sono dos justos, largada, ressonando. Talvez eu devesse avisar essa pobrezinha de que ela não é um cachorro, mas não tenho coragem.

¡Drops da Fal!

10.3.06

Vou encher o rabo de dinheiro

Curtindo a depressão constante, vinha eu no ônibus descendo a Consolação, testa grudada no vidro, pensando em diversas maneiras de matar (bem lentamente) dois ou três seres que vêm me aporrinhando a vida. Sem qualquer razão, meus olhos se detiveram sobre o adesivo no vidro traseiro de um Corsa. Dizia o adesivo: "Quem não tem tempo para Jesus está perdendo muito tempo".
Vocês vão achar esquisito, mas ao ler aquela frase tão simples, banal até, eu me senti como que invadido pela luz. Sem tempo para Jesus. É assim que eu ando, é assim que muita gente anda. Todos trabalhamos, estudamos, temos família, namorada, namorado, amante, esposa, marido (estou falando de forma geral, não que cada um de nós tenha tudo isso. Bah, vocês entenderam). É tanta coisa que não nos sobra tempo para cuidar da vida espiritual, que no fim das contas é a vida que importa de verdade.
Não sei quanto a vocês, mas ao pensar nisso eu tomei a decisão de fazer minha parte para melhorar esse estado de coisas. As Organizações Jesus mexe com telha? Jesus, me chicoteia!, conglomerado dirigido por este que vos fala com punho (eta!) de ferro, lança no mercado a...

Gods Outsourcing Incorporated!

Você está sem tempo para Jesus, Javé, Maomé ou Xangô? Está adiando há mais de um ano aquela visitinha ao templo budista, à comunidade Hare Krishna, ao centro espírita? Tomado pelas obrigações e pelo estresse do mundo moderno, acabou ficando sem tempo para cuidar do espírito? Não se preocupe: TERCEIRIZE!

Mas como???

É simples! Basta cadastrar-se em nosso site, escolher a religião de sua preferência e a modalidade de assinatura do serviço que melhor lhe aprouver, e deixar o resto em nossas mãos! Levamos seus pecados ao padre e trazemos sua penitência e, por uma taxa adicional, hóstia para a comunhão. Resumimos os sermões de seu pastor preferido em lindas e didádicas apresentações em Power Point. Entregamos seu dízimo ao picareta de sua escolha (mediante taxa de 10%). Arriamos despacho em qualquer encruzilhada, praia ou cachoeira do Brasil. Transmitimos recados aos parentes desencarnados. Ah, você prefere o budismo? Nosso time de profissionais pode meditar por você. Prefere ser um monge Hare Krishna? Vendemos incenso nas principais avenidas e aeroportos do País.

Quanto vale tudo isso?

Não responda ainda! Além de todos os serviços, você ainda recebe em casa, totalmente grátis, uma edição de luxo da Bíblia, do Corão, do Livro dos Espíritos, do Necronomicon, enfim, do livro sagrado de sua religião predileta!

Mas isso tudo deve ser muito caro!

Não se preocupe! Temos desde planos populares até elaboradíssimos planos, com contingência de religião* para garantir o seu conforto no além! Temos o plano do tamanho do seu bolso! E muitas outras opções religiosas, do voduísmo haitiano aos dervixes rodopiantes da Turquia. Fale conosco hoje mesmo e durma de consciência tranqüila!

Nossa, deve ser uma fortuna!

Ah, então foda-se, miséria do cão! Vá pro inferno e não me encha o saco!
Apaporra!

Jesus, me chicoteia!

8.3.06

Q U A S E A C O R D A D A

Há muito tempo não ficava para escrever nas madrugadas. Estas que estranham ao ver luzes acesas onde eu costumo estar – olhos bem fechados, sonhos passando por dentro da minha cabeça desordenadamente e o silêncio. Talvez, dependendo da natureza do dia ou do sonho, uma música para animar ou entristecer. Mas sempre os olhos fechados de sono, ou em caso de insônia, na expectativa de o sono vir - e que aqui estou eu em contato com o mundo acordado numa madrugada que ainda é cedo, mas que já é tarde o suficiente para que as pestanas se cruzem a frente dos olhos e a cabeça ameace o movimento dos cansados, aquele brusco, para frente e acompanhado de um susto gigantesco. Em baixo da minha janela, passam tantos carros como se fosse dia e um grito de pavor de mulher me faz ter medo da noite na vida real.

Ai, lembrei de uma carta que recebi de uma amiga onde ela, no meio de uma declaração de amor, daquelas que só uma amiga que te viu crescer mesmo tendo te conhecido quando você já não era criança, é capaz de fazer e ela dizia: "O ônibus azul que você pegava todos os dias acabou de passar" e eu chorei tanto lendo aquilo. E quase chorei de novo agora enquanto ria lembrando.

Lembrei dos planos que ela e eu fizemos juntas envolvendo tantos outros e que nunca se encaixarão em nossas realidades.

Tenho dificuldade de esperar.

Sono é melhor que realidade.

Melina, Essa moça tá diferente

PORQUE A GENTE É ASSIM.

(…)

Eu não gosto de tirar fotos. Não gosto de congelar a cena pra guardá-la onde quer que seja. Nas viagens eu levo máquina fotográfica e esqueço no hotel, na mala, na casa onde estou hospedada. Nos eventos, não contem que eu tenha máquina à mão. Ela só vai se alguém me lembrar e fizer questão. Eu adoro as fotos dos outros, acho lindo álbuns de fotografias, mas não faço as minhas. Não sei bem porquê. Provavelmente porque nada do que está ali foi o que aconteceu. Eu acredito que posso me lembrar com muito mais precisão do que qualquer fotografia. Na memória há o cheiro, os ruídos, a temperatura, a sensação, a emoção do momento, pra muito além do que o que era visto. Acho que a foto pasteuriza a lembrança, acho que é isso.

(…)

Ticcia revelada em Megeras Magérrimas

E a pergunta que não quer calar é por que será que eu não tenho manias?!

(…)

A vozinha é hipocontríaca. Sempre está com dor em algum lugar, sempre está doente, sempre há algum problema grave. Tem um armário lotado de remédios: caixas e mais caixas. E a bolsa da velha é uma filial do armário. Nunca a vi responder está tudo bem! Remédio para dormir ela toma desde antes de eu nascer. Odeio tomar remédios. E quando sou obrigada a fazê-lo; o médico insistiu muito e a explicação foi vasta. Depois de passar a noite inteira com dores lascinantes enquanto meu filho escorria pelas pernas, chegamos no hospital e a enfermeira foi me esticar na maca. Sem querer, arranhei o braço da mulher no meio do urro. Quando o efeito da morfina foi passando e sendo substituído pelas nauseas, comecei a respirar devagarinho com medo de ferir o Lord, até desmaiar de tanta dor. Ao acordar da anestesia, a primeira coisa que vi foi o rosto dele sorrindo pra mim, dizendo que tinha acabado e tudo ia ficar bem. Pedi que ele não me deixasse mais sentir dor. Durante dois dias, de tempos em tempos ele me acordava com comprimidos de várias cores e formatos. Até hoje não tenho a menor idéia de quais ou quantos remédios tomei. Não senti mais dor. No corpo.

Rô, sem manias, no Megeras Magérrimas

7.3.06

Breve História da Minha Carreira

(…)

Hoje fui jantar com meu pai. Enquanto comíamos a pizza, discutimos sobre religião. Meu pai é católico e cristão. Eu não. Ele acredita em religião e eu acredito em psicanálise. Ele fala sobre o bem e o mal e eu falo sobre o inconsciente. Ele fala sobre um Deus e eu falo sobre ego, superego e id. Ele fala do desejo do bom cristão de fazer o bem ao próximo e eu falo de narcisismo e vaidade. Ele fala em oração e eu falo em delírio. Ele fala que a vida não teria sentido se não existisse Deus. Eu falo que a vida não tem sentido e ponto. Ele considera o materialismo algo ruim. Eu considero o materialismo a única coisa que temos. Gostei da discussão que tive com ele, embora não soubesse verbalizar meus argumentos. Sempre quis provar algo para meu pai. Muitas vezes cheio de mágoa. Tinha muito medo dele e ainda brigo comigo mesmo para resolver esse conflito. Nas nossas conversas, geralmente ele falava e eu ouvia, ou então eu apenas conversava sobre coisas em que não houvesse discórdia entre nós. Faz tempo que venho tentando discordar do meu pai. Estudar psicanálise pode ser a minha vocação. Aprender a discordar do meu pai, uma lição tão simples, pode ser o trabalho da minha vida.

:: This is why I always wonder ::

4.3.06

quebra-cabeça do amor

liga a motoserra, amor
cerra meus olhos
esmerilha dentes e gengivas
capa as orelhas
esmigalha o nariz
centrifuga o cérebro
kaputa o pescoço
destronca a clavícula
destrinça as costelas
parta o coração
afoga os pulmões
amputa o abdômen
esvazia o estômago
farofeia os miúdos
estripa as tripas
pica os culhões
desprega o cu
desmunheca as mãos
desliga os rádios
subtraia os úmeros
bamboleia os quadris
libera os fêmures
desrotula os joelhos
castiga as tíbias
opera os perônios
desande os pés
agora monta como quiser, amor

Marcos Prado & Aranha

PALAVRA DE PANTERA

Hello Kitty - Valentina

oooooooiiiiiiiiii!!!!!!!!!!
as minhas melhores amigas q dize a minha melhor amiga e a fer!!!!!!!!!!depois a carol dai a duda dai a mari e a re q e bem legal so q a mikaella e a roberta sao chatas para valer!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Hello Kitty - Valentina

Subemprego 9: Escrivã da delegacia da mulher

O único requisito era teclar rápido e ser mulher. Ninguém disse nada sobre discrição, mas eu era. A vítima podia narrar o que fosse, eu não me abalava. Ia teclando.

A história sempre começava bem:
- Ele tentou me matar.

Daí, caía no choro. Eu digitava: "choro" e cruzava os braços. Quando a vítima voltava a falar, eu voltava. Vinham os detalhes. A história padrão era homem bêbado que chega em casa nervoso e bate sem motivo. "Mais choro".

Até aí era sempre igual. Eu cruzava os braços, abria uma revista e esperava. Então vinha o motivo. Variavam entre: "ele acha que sou vagabunda", "ele acha que escondo dinheiro dele", "ele acha que vou fugir com as crianças".

A delegada pressionava mais um pouco e então sim, eu vibrava a cada toque.
"Esperei ele dormir na rede, peguei linha e agulha e costurei ele lá dentro. Daí peguei a faca de cozinha e fui embalando o Zé. Conforme a rede vinha eu mexia a faca um pouquinho pra cá ou pra lá."

Quarenta e nove facadas. Deixava o expediente deprimida. Como escritora, jamais seria capaz de imaginar algo assim.

||| Índigo - 73 Subempregos |||

conversas furtadas

DUAS SENHORAS
— Qual o certo: poblema ou pobrema?
— Os dois tão certo.
— Qual a diferença?
— Poblema é o que os professor de matemática passa na escola; pobrema
é o que nóis passa no dia-dia com marido, filho, genro...

Enviado por Walder Lopes.

--

DOIS VELHOS

— Tem duas coisas nesse mundo que eu não consigo entender.
— ...
— Big Brother e o tal do computador.

Enviado por Germano Knipeln.

conversas furtadas

Phone Sex

(...)
Ah, Maria Alice, pode ser outra hora? Que assunto mais chato de conversar no telefone.
(...)
Claro, pô. Se eu não quis conversar em pessoa porque o assunto era chato, por que ia querer conversar no telefone?
(...)
Eu não tô sendo...
(...)
Tá bom, Maria Alice. Fala.
(... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...)
Você ta completamente louca, Maria Alice. Eu não vou em sexóloga nenhuma.
(... ... ... ... ...)
Você é que disse “sexóloga”, oras. Mas também num vô em terapeuta de casais.
(... ... ... ...)
Mas, Maria Alice, não era você que vivia zombando da sua mãe porque ela tirava dúvida sobre sexo com o padre? Qual é a diferença?
(... ... ... ... ...)
Sei lá, Maria Alice, tem muito padre que entende de sexo, uai. Ce não lê as notícias?
(...)
Se padre que entende de sexo é sem vergonha, sexóloga é o quê?
(... ... ...)
Ah, quer dizer que todas as sexólogas praticam essas sacanagens que elas recomendam pros casais?
(... ...)
Bom, Maria Alice, se a sexóloga pratica essas sacanagens todas eu é que não quero pedir conselho pra ela.
(...)
Uai, porque ela é vagaba. Eu não quero conselho de vagaba. Se gostasse de vagaba, tinha casado com a sua prima Sônia e não com você.
(... ... ...)
Não fica brava, Maria Alice. Claro que você é muito mais gostosa que a sua prima Sônia.
(...)
E que a sexóloga.
(...)
Cê vai o que, Maria Alice? Me esperar no futebol?
(... ... ... ...)
Me esperar de baby-doll. Desculpa, benzão. Celular, cê sabe.
(...)
Eu também te amo.
(...)
Ah, Maria Alice, da última vez que você fez jantar afrodisíaco eu fiquei com os estrombo tudo virado.
(clic)

Filthy McNasty

3.3.06

Terça-feira, Outubro 04, 2005

Hoje deu vontade de chorar mas não chorei.

"Já que não me entendes,não me julgues, não me tentes."

Gordo félodaquenga

Algum pulha, em um passado imemorial, lhe dá um livro do Jô Soares de presente. Aquela trolha fica na estante durante anos, amarelando, sem nunca ser aberta, até que um dia você vê que precisa de mais espaço para guardar livros que prestam e resolve juntar essa a outras tranqueiras para ver se consegue desconto em algum sebo. Você mostra pro dono do estabelecimento e, com desdém, ele fala: “Isso aqui não, tenho um monte lá no fundo e ninguém compra”. Você vai para outro sebo e o sujeito de lá diz: “Isso não vale nada, poderia servir em uma troca, por dois reais, mas eu já tenho outros”. Aí você pensa em doar para uma biblioteca, mas sua fé num futuro de melhores leitores o proíbe. No terceiro sebo, você muda a tática. Pega um livro e vai pagar. Na hora de sacar a carteira, tira o desgraçado da pasta e pergunta: “Olha, eu tenho esse livro, você pode me dar um desconto?”. A mulher, titubeante, diz que não interessa. Você aproveita o vacilo e implora: “Qualquer desconto serve”. Ela, sem convicção, topa. Você faz a transação rapidamente e muda de assunto: “Bonito sebo, é novo, né?”. Você ganha a rua com Berlim Alexanderplatz tendo custado dois reais a menos e a satisfação de ter livrado a sua casa de qualquer vestígio daquele gordo filho de uma puta.

pura Maldizência

2.3.06

Diálogos bobos - ele fofo, ela venenosa

Ele diz: - E eu achando que a Kristin Scott -Thomas tinha no máximo minha idade.
Ela diz: - Nada, deve ter bem uns 50.
Ele diz: - 45.
Ela diz: - Hohoho. Maldade feminina.
Ele diz: - And I do.
Ela diz: - You don't do, you WOULD do, if you could and if she would and if I'd allow it...
Ele diz: - Huh, eu faria, eu faria, claro. Esqueci do anômalo.
Ela diz: - Anômalo é você, mi amor.
Ele diz: - Eu? Sou normalzinho, bem resolvido, bem casado, feliz e fiel, neguinha!!!
Ela diz: - Por isso mesmo, hahaha...

Cyn City