Da convivência com mulheres, uma irritação: ô grupo friorento.
bricabraque
30.4.04
A escuridão, bem diferente da que fazia eu me espremer de covardia na cama, era toda afago. Sentei ao lado de minha tia (qual? Me eximo de usar a cínica desculpa de que estava escuro; não lembro qual tia mesmo) e o cheiro de bala de menta se acomodava ao breu dando a certeza de que o preto era uma cor com fragrância, e doce. Até hoje, quando chamo de volta a experiência, aspiro com a alma aquela essência de menta – sinônimo ancestral de escuro de cinema. Mas eu ia dizendo: o retângulo lá na frente explodiu silencioso; minha retina acolheu o clarão como a escuridão havia me recebido: com familiar surpresa. No meio da tela (era tudo em sépia, pois que o sépia é o preto e o branco com saudade das outras cores) estava ela, cabelo roçando os ombros, e sentada debaixo de uma árvore, sobre uma estampa de folhas finas, alegres, quase desenhadas. Suas pernas estavam encolhidas sob a saia espraiada, o que eu via dela acabava na borda arredondada do tecido – a partir dali, só folhas. Meus olhos, representados dignamente pela câmera, circundaram a árvore, a saia, os chuviscos do sol que furavam a copa da árvore e acendiam de leve, aqui, ali, ali e ali, o sépia das folhas no chão. E o rosto, o rosto dela, o queixo levantado quase nadinha, o suficiente para deixar exalar o aspecto de quem se sabe presente na remota memória de alguém, de quem se imagina acariciada pela lembrança que extrapola a lente de uma câmera. Aí começou a música.
Eu tinha cinco, seis anos. Foi minha primeira vez. Nunca soube que filme foi esse, quem ela era. Acho que vejo filmes compulsivamente – o que faz muitos desavisados me confundirem com um cinéfilo – para, um dia, por acidente, dar com essa cena: ir reconhecendo-a aos pedaços, cair em mim ao identificá-la por completo e ver trinta e tantos anos se dissolvendo em meio à essência de menta. Então acho que as coisas – todas – deverão começar a fazer algum sentido, caramba.
ao mirante, nelson
Postado por Jan às 30.4.04 0 grudados
29.4.04
Em uma certa manhã ou tarde ou noite da adolescência as pessoas decidem o que vão ser – em um minuto. O garoto, visitando o quarto do vizinho que sabe alemão e conhece diferentes aberturas no xadrez, se sente humilhado pelas fotos do vizinho de smoking, jantando num hotel escandinavo com uma garota linda de vestido de noite. “Quer saber, eu sou vulgarzão mesmo, com orgulho”, ele pensa.
E pronto. Cinco minutos antes não era, mais agora vai ser. Chegando em casa se olha no espelho e sorri: “Eu sou vulgar, vulgarzão”. Faz pose de vulgarzão.
Dez dias depois cria um blog que ele mesmo chama de tosco, e deixa comentários elogiando outros blogs por serem toscos: ae supertosco o seu blog huahuahuahuahua. Na escola faz sucesso ao escarrar na própria coca-cola e depois beber - enquanto seus amigos sorriem e fazem cara de vômito, andando pela quadra de vôlei recurvados como se tivessem levado com um taco de beisebol no estômago e gritando “Deus! Deus!”. Repete a façanha sempre que pedem. Dois anos depois está lendo Bukowsky...
Às vezes volta atrás na decisão, é verdade; usa o uniforme de vulgarzão durante uma semana e depois devolve para a loja porque pinica, ou fede, ou solta bolinha. Eu mesmo, acreditem (mostra-se encantadoramente confiante que as pessoas ficarão espantadas) já me disse vulgar, vulgarzão, numa certa tarde do início da década de oitenta. Mas meu conceito de vulgar era o das pessoas pintadas por Frans Hals – você sabe, pessoas de bochechas vermelhas que riem batendo nas coxas e são francas, essas coisas todas. “Eu sou vulgar”, eu disse com orgulho – o caso mais patético de má compreensão de si mesmo desde que Henry James achou que podia escrever peças e Michael Jackson achou que era bad. Usei essa roupa de vulgar durante três dias e desisti. Mas outros, oh, os outros (eu me desespero muito dos outros) persistem, e ficam fazendo desenhinhos de pôneis fumando baseados gigantes nas costas dos cadernos alheios.
Candidamente lhes proponho que todas as pessoas que se dizem toscas (com orgulho) passaram na juventude por um momento de embaraço social e decidiram recuar - para o cantinho mal-iluminado em que Bukowsky eternamente come comida que caiu no chão, sob o olhar vigilante de duas prostitutas paraguaias que riem huahuahuahuahua.
alexandre soares silva
Postado por Jan às 29.4.04 0 grudados
27.4.04
Toda mãe tem que entender e ser paciente.
Meu filho:
-Mãe, cadê aqueles cds que estavam no quartinho de som?
Eu:
- Que cds?
Meu filho:
- Aqueles mãe! Uns pretos!
Eu:
-Cds pretos, filho? Eu nunca vi cds pretos no quartinho de som, tem uns aqui perto do Computador que seu pai gravou umas musicas, seriam esses?
Meu filho:
- Não mãnhêêêe! Uns grandões com um buraco pequeno no meio.
Eu:
- Ahhhh? Filho, aquilo são (ELEPÊS), discos de vinil. Seu pai levou pra guardar na firma....
Meu filho:
- Ah tááá
Nestas horas que eu olho para o céu e penso:
Como o tempo passa rápido.
Bambam e Pedrita - Proibido para menores de 18
Postado por Henrique às 27.4.04 0 grudados
26.4.04
POEMA REPUBLICANO
Um bar diante do cu de bronze
do cavalo do Marechal Deodoro,
que, à guisa de enigma, fica
na praça Princesa Isabel:
Isto faz-me sentir tão inadequado
quanto o brônzeo ânus desse
quadrúpede, afinal que faço
eu num boteco no centro da
cidade, alvejado por perdigotos
discursados pelos bêbados?
No entanto o não-caber no mundo
move e se cumpre, ocupando
tudo: eu, cascos de cerveja, o Ceará
dono do bar e até mesmo o cu
do eqüino, buraco negro e cego,
como uma galáxia prestes
a nos engolir sobremaneira.
E entre mugidos ou seja lá quais
impropérios assoprem cus de
estátuas eqüestres, nos dissolvemos,
Mal. Deodoro, Princesa Isabel, praças,
bêbados, você e eu:
sob o vasto merdaçal de pombas
sob a penumbra onde já não vejo gestos
sob asas que não deixam rastros nem sombras
sob a mira da merda de bronze que certamente
uma hora soltará o brioco desse cavalo.
HOTEL HELL
Postado por Ratapulgo às 26.4.04 0 grudados
Oportunidade de negócios.
O mercado de blogs vai crescendo e a gente se vira como pode né?
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Casos e Acasos da trifase
Postado por Ratapulgo às 26.4.04 0 grudados
O homem do balão
Sabe quando alguém vira pra você e diz: "joga nas mãos de Deus"? Pois é, voar de balão é isso. É se jogar em um cesto de Deus. Um dia antes de lançar minha sogra ao vento, o homem do balão me liga. Uma voz grossa, fria e direta:
- Estou ligando pra cancelar o vôo do sábado. Teremos que agendar para o feriado que cairá na próxima quarta-feira.
- Mas assim? Em cima da hora?
- Desculpa, mas as previsões não são nada boas...
Como é que alguém, sendo o "Senhor Balão", diz uma coisa dessas pra um passageiro de primeira viagem? Pensei: "Vixe! Esse negócio não deve ser seguro. Além de se arriscar em um cesto de vime tamanho família, ainda é necessário acreditar nas previsões do homem do tempo e na sanidade do homem do balão".
- Ô moço, me diz uma coisa: alguém já morreu "andando" de balão?
- Comigo no comando, não.
- Claro! Se tivesse morrido, você também não estaria aqui pra contar a história.
- Engano seu. Dificilmente morreriam todos os tripulantes. Já vi gente ser arrastada em pousos forçados e outros saírem intactos. Vi um rapaz que ficou grudado em uma cerca de arame farpado e outros que não se seguraram direito na hora da descida e foram arremessados pra fora do balão. Alguns chegaram até a sofrer fraturas expostas, mas outros nem sentiram o pouso. Soube de uma mulher que...
- Pára, pára, pára! Tenha dó, meu senhor! Minha sogra vai andar nesse treco em poucos dias e o senhor vem me contar histórias como estas? Agora vou dizer o quê pra ela?
- Perguntou por que, se não estava preparada para ouvir?
- Para o senhor me tranqüilizar, dizer que o passeio é só serenidade, omitir detalhes trágicos... Eu sou mulher, meu querido! Não fui preparada para ouvir a verdade.
- Você acha que atravessar a rua é seguro?
- Anh? E o que tem a ver o loló com as calças?
- Acha ou não acha?
- Acho. Claro que acho...
- Minha mãe morreu atravessando a rua.
- Conversa!
- O sonho da sua sogra não é andar de balão?
- É, mas...
- Então diga pra ela não atravessar a rua antes do feriado. Viver é correr riscos.
Silêncio dos dois lados da linha...
- Lá, lá! Falou bonito, hein moço?
Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados
Postado por Ratapulgo às 26.4.04 0 grudados
Dor que dói no peito
- Eu não tenho mais a certeza de que você é a pessoa certa pra mim.
- Ainda existem coisas inacabadas para decidir, e não posso continuar com você enquanto meu coração não for livre.
- Falei com minhas amigas, elas me deram uma força, afinal não é assim que funciona. Preciso de um tempo pra pensar.
- Pelo menos teremos uma boa história pra lembrar.
- É muito complicado eu ter de falar isso pra você, acontece que...
- De início pensei que o problema fosse comigo, muito trabalho, esse tipo de coisa. Mas não. O problema é com a gente.
- Ele veio falar comigo, me lembrou de coisas que ainda marcam...
- No começo eu ainda relevei por causa das crianças. Só que hoje, nessa situação, não dá mais.
- Tentei imaginar a vida sem você, e não foi assim tão difícil.
- Depois desse mês percebi que a nossa situação se tornou insustentável.
- A gente não precisa terminar agora. Ficamos juntos, e esperamos a relação se dissolver naturalmente. Talvez seja mais fácil assim pra você.
Zazoeira
Postado por Ratapulgo às 26.4.04 0 grudados
Nem mulher, nem rato. Eu sou é piolho .
1. pegue o livro mais próximo de você
2. abra o livro na página 23
3. ache a quinta frase
4. poste o texto em seu blog junto com estas instruções
"Quais invejosos e implacáveis demônios espalharam sobre ti a intemperança de sua sobriedade, que loucos e odiosos Prócios acenderam a tocha nupcial?"
Em Baudolino, Umberto Eco, Editora Record, 2001.
E foda-se o ISBN.
Arroz-de-Leite, agora com cheiro de caju!
Postado por Ratapulgo às 26.4.04 0 grudados
Confesso ao nada o que de mim duvido e aos meus ouvidos, grito. Da garganta vem um soluço torto, um choro incerto entre lamento e pranto. Vai ver desaprendi tanto de lágrimas e choro goles de palavras aos pedaços, engulo minha tristeza e vomito uma dor tamanha que te traz mais perto. Tu, que não sabes ser ninho, nem porto, tu que fiz tão longe. Entre nós plantei deserto, pus abismo, cerca de espinho, mas quando choro esse choro de certo desatino, busco tuas sobras, os restos do nosso destino e embalo nos braços um filho morto.
Não Discuto
Postado por Ratapulgo às 26.4.04 0 grudados
21.4.04
Com o velho:
– Pai, você tá apertado com aqueles convites lá pro show do Pão de Açúcar?
– Tô. Por quê?
– Porque eu queria mais ums...
– Quantos?
– Dois.
– Eu acho que consigo mais um. Tá foda, filhote. Todo mundo tem um amigo que também quer ir, todo mundo pede vários.
– Pô, mas eu te vi ligar pra uma porrada de gente oferecendo convites.
– Eu liguei pro pessoal do marketing do Banco do Brasil e pra alguns pareceristas do Ministério da Cultura.
– Ah, tá. Só pra galera que apóia o show.
– É, pô. Assim eles continuam do lado dos projetos.
– Pai.
– Oi?
– Você suborna as pessoas!
– Não suborno, meu filho, mas as pessoas que estão envolvidas com o projeto recebem por isso.
– Hm.
– Entendeu.
– Você suborna as pessoas!
– Tá, eu suborno.
– E com o dinheiro do Abílio Diniz ainda! Pior do que o cara que saca grana do próprio bolso e compra alguém é você, que saca grana do bolso alheio!
– É isso aí.
– Seu pilantrão!
Laboratório Secreto
Postado por Henrique às 21.4.04 0 grudados
Crônicas do Amor Possível
by sérgio p torres
I - A Cervejinha Gelada
A noite, já deitados, o casal combina as tarefas para o dia seguinte:
- Amanhã tenho uma reunião da diretoria. Vamos acertar o cronograma para o 2º semestre. Você leva as crianças para a escola?
- Claro, meu bem...
- A casa tá cheia de pó.
- Tá, amor, eu arrumo...
- A pia tá cheia de louça.
- Eu lavo...
- Vou trazer uns colegas pra almoçar.
- Quantos?
- Três. Capricha na comida.
- Você podia ter avisado antes...
- Decidi agora. Tá faltando alguma coisa?
- Não sei...
- Você nunca sabe nada. Bem, qualquer coisa você passa no supermercado depois que deixar as crianças na escola.
- Tudo bem. Não esquece de deixar o dinheiro.
- Puxa, você só me dá despesa. Vê se pelo menos não esquece de botar a minha cervejinha pra gelar, tá?
- Tá, não esqueço...
- Não deixa congelar.
- Tudo bem...
- Amanhã vai ser puxado. E de tarde, o que você vai fazer?
- Não sei ainda, acho que vou ao shopping...
- Shopping!? Por que você não arruma um emprego, nem que seja de meio expediente?
- Tá difícil, amor...
- Você só sabe torrar o meu dinheiro. Também, quem mandou largar os estudos? Não viu a fila de candidatos pra gari? Tinha gente até com curso superior!
- Eu sei...
- Sabe, mas não faz nada, não é? Ninguém merece. Esse negócio de ficar em casa sem fazer NADA não tem cabimento.
- Desculpa, amor. Mas é muita coisa pra uma pessoa só fazer...tem que levar as crianças pra escola, ir ao supermercado, banco, costureira, lavanderia, o almoço, a louça, a casa, a cervejinha gelada...
- Alôôôuuuuuu...quem é que rala todos os dias e sustenta você, as crianças e a casa?
- É você, Marisa...
- Então, Haroldo, vê se pelo menos não reclama tanto.
E apaga a luz que eu quero dormir.
decadência urbana
Postado por Ratapulgo às 21.4.04 0 grudados
20.4.04
Se esparrama com delicadeza, dá um sorriso (discreto) de canto de boca, espia pelo buraco da fechadura sem nenhum pudor.
Dá marcha a ré menor sem charmeur, segue pelo caminho mais comprido dando um adeus dramático e nada mais.
Suspira com impaciência resignada.
(não basta um grande amor para escrever poemas.)
Carbon Monoxide
Postado por DaniCast às 20.4.04 0 grudados
Estava no saguão do prédio esperando o elevador, eu tinha uns 5 anos. Chegaram dois garotos que deviam ter a idade que eu tenho hoje, falaram de trauma. Um deles já tinha se encontrado com a porta de vidro daquele saguão, de bicicleta, e se cortado todo. Mostrou uma cicatriz no braço e outra na perna, apertou o botão do elevador e ficou esperando como eu. Foi nesse dia que eu aprendi o significado da palavra "trauma". Tive medo do trauma.
Sempre achei que eu era uma pessoa sem traumas, bem resolvido. Eu penso reto, simplifico as coisas e tudo parece até ser fácil... E os outros parecem pensar que eu tenho soluções. Eu só observo os ombros das meninas que vêm de camiseta reluzindo as lâmpadas frias da sala de aula. Meus ombros não andam erguidos, meus traumas devem estar tão intrínsecos que não consigo detectá-los. Não consigo dizer de onde os meus medos vêm.
Eu só encontro esse som que vem e me amarra por dentro, me carrega, me faz voar, cair no mar e me afogar, subir à tona secar na superfície do sol, queimar, congelar. E eu estou dentro de casa. Estou aqui querendo estar longe. Eu quero ir para longe, quero trocar alguns amigos, quero deixar de gostar de algumas pessoas. Gostaria de parar de discriminar os feios e acreditar na honestidade das meninas dos ombros bonitos, me sentir feliz assim e fazer uma serenata.
Para no dia seguinte acordar e encontrar as penas do travesseiro ao meu lado... E vem esse som que minha cabeça-rádio capta no ar e tenho medo de passar todas as minhas tardes assim... Preciso alcançar o coelho nas luzes do carro. Andar a pé na areia da práia, numa tempestade, de madrugada, ao lado de alguém. Minha respiração... já está... ficando... devagar... denovo.
Reticências de Um Poeta Morto
Postado por DaniCast às 20.4.04 0 grudados
Sonhos são
Três fortes batidas numa porta imaginária. Abro como num ensaio de uma peça de teatro, alguém aparece de cabelos quase raspados; pele branca, alto, magro, olhos grandes e marrons.
Trazia em uma das mãos um coração sangrando e ainda pulsando; o sangue escorria sobre a sua pele clara pelo braço até o cotovelo. Não identifico o sexo. Me olha severamente como que me repreendendo por algo que fiz um dia qualquer. Examino minha consciência, minha vida toda passa como um filme em Rewind e um sorriso surge por trás dos seus lábios finos e rosados.
As sobrancelhas antes arqueadas ficam leves. Seus traços me fazem lembrar carinhosamente alguém.
Me abraça com tanta ternura... diz que eu continue como sou. Caio no choro.
Abre a porta invisível e vai embora sem olhar para trás.
Eu sento na cama, pego uma fita de vídeo e vejo partes da minha vida em preto e branco e colorido.
Acontecível
Postado por DaniCast às 20.4.04 0 grudados
E para não dizer que não falei de “flores”...
Eu adoro meninos que me ligam e me dão atenção. Eu adoro meninos que me convidam para ir ao cinema nos domingos de chuva. Eu adoro meninos que abrem portas para mim. Eu adoro meninos que são bonitinhos mesmo quando eu não estou mais sob efeito do álcool e fazem a barba e usam Fahrenheit. Eu adoro meninos que insistem em me levar em casa, que fica perto do fim do mundo, que vão até lá dirigindo civilizadamente e quando chegam dizem: “agora eu sei aonde tu mora...”. Eu adoro meninos que me ligam meia hora depois de ter me deixado em casa para dizer que acharam o caminho de volta para suas próprias casas e que dizem que gostariam muito de me ver no feriado próximo.
Perigo.
Deep Cuts
Postado por Ratapulgo às 20.4.04 0 grudados
Ok. Então alguém avise a pessoa de que ela não tem mais quinze anos, por mais que ela ainda queira acreditar nisso, e que não pode beber das seis da tarde às três da manhã impunemente. Porque no dia seguinte a pessoa está imprestável, completamente imprestável. Fora os amigos da pessoa que têm que agüentá-la pulando no sofá e dizendo absurdos sobre Teresa De Lauretis e as novas instalações do vestiário do Beira Rio. Alguém ajude a pessoa. Meu domingo foi inteiramente desperdiçado debruçada sobre a pia (que esse negócio de se abraçar na privada, desculpe, mas não é para mim, essa mulher de classe que só eu sei ser, ho, ho, ho). Não, ninguém merece. Tô com dores no corpo até agora. E não sei onde pus minha correntinha de pedra da lua, que eu me lembro que guardei em algum lugar pensando "vou guardar aqui bem escondidinha para não perder" e agora não faço a mais pálida idéia de onde é. Rá. Mas, enfim, ressucitei. E nem levou três dias.
A Caverna da Ogra
Postado por Ratapulgo às 20.4.04 0 grudados
18.4.04
Devorado Por Formigas Verdes Enquanto Lia Ulysses
Era um bom homem, relacionava-se bem com as pessoas da vizinhança, tinha mulher prendada e filhos por criar. Aí começou a fazer o que Deus desaprova, e morreu. Sem misericórdia.
Não dá futuro ir contra a natureza: a Natureza é sábia, não hesita, sempre paga pra ver. E um papagaio me disse certa vez da existência de uma tal natureza humana.
Não é curioso ser mais provável que um ditador, ou um terrorista, diga algo que faça sentido a respeito do mundo, e não um chefe de governo eleito? É um dado interessante; é claro, isso acontece por, em geral, referirem-se a um sistema do qual não façam parte.
dies iræ
Postado por Ratapulgo às 18.4.04 0 grudados
A Diferença Entre as Mulheres que Você Come e as que Você Não Come
Por Alexandre Cruz Almeida
Joana foi minha amante e uma de minhas melhores amigas. Ela terminou comigo há poucos meses porque estava voltando para o seu homem de direito. Apoiei sua decisão, claro: nos divertimos muito juntos, mas o futuro dela é com ele, não comigo. Ainda somos amigos, mas não tanto quanto éramos. Ainda tenho tesão por ela, mas não tanto quanto tinha. Ainda a amo, mas não tanto quanto amava.
Hoje, nos encontramos em um evento. No salão, antes que eu pudesse chegar até ela, duas pessoas vieram falar comigo, uma depois da outra, e me ocuparam por uns quinze minutos. Quando finalmente cheguei até Joana, ela virou a cara pra mim. O que foi?, perguntei. E ela, em um tom de voz ofendidíssimo, apontando com olhos para sua melhor amiga que estava conversando com ela: a fulana veio direto falar comigo, não parou pra falar com ninguém antes.
Sabem qual é a grande diferença (além da óbvia) entre as mulheres que você come e as mulheres que você não come? É que você não precisa ouvir esse tipo de coisa das mulheres que você não come. Virei as costas e fui embora.
Joana é linda, inteligente, independente, mas tem um grande defeito: é mulherzinha. Não sei se dá pra explicar. Mas é justamente isso: só uma mulher muito mulherzinha falaria uma coisa dessas. Ela é o tipo de mulher que, quando eu ligo pra ela, ao invés de ficar feliz porque eu liguei, contabiliza há quanto tempo eu não ligo: puxa, estava morrendo de saudades, eu digo. É, sei, ela retruca, em tom mezzo-escárnio mezzo-ofendida, recebi suas dezenas de recados na minha secretária.
Ou então: puxa, estava mesmo querendo falar com você. E ela: se quisesse mesmo, não ficava sem me ligar desde terça.
Ou então, ou então, e essa é a minha preferida: oi, tentei te ligar, mas você não atendeu o celular. E ela: humpft, se quisesse mesmo falar comigo não teria me ligado logo na hora que sabe que não posso atender. Você queria é que eu visse que ligou, não falar comigo.
E como eu vou explicar que nunca me dei ao trabalho de decorar os horários dela? Sou totalmente espontâneo, ela sabe disso, ou deveria saber: ligo pra quem quero na hora que me dá vontade de falar com aquela pessoa. Ponto. Esse negócio de ligar pra alguém na hora em que você sabe que a pessoa não pode atender só pra deixar um recado na secretária, caramba, isso é tão não-eu que eu mal consigo apreender o conceito.
E eu explico: olha só, assim como a medida de distância é o metro, digamos que a medida do não-ligar seja, por exemplo, narjaras-turetas. E digamos, mais ainda, que eu tenha não-ligado pra você uma quantidade de 15,58 narjaras-turetas na semana passada. Isso quer dizer que você também não-ligou pra mim na exata mesma quantidade de 15,58 narjaras-turetas. A mesma reclamação que ela me faz de forma tão insuportavelmente deselegante (se quisesse mesmo falar comigo, não ficava sem ligar desde terça-feira!) eu também poderia fazer pra ela. Ou então, melhor ainda, ela mesma poderia se fazer essa reclamação diante do espelho e nos poupar a todos o perrengue. Que tal?
Não sei vocês, mas quando alguém que eu gosto e com quem não falo há algum tempo me liga, eu fico tão feliz que só consigo mesmo curtir aquela felicidade. Além do que, eu sei que se ela não me ligou, eu também não liguei pra ela, e então empatou tudo, não se fala mais nisso.
Estou ficando velho, minha vida, cada vez mais complicada e eu, cada vez mais louco, livre e seletivo. Cada vez tenho menos tempo pra gente que acho que não vale a pena. Quando ligo pra alguém, é um ato de amor mesmo, é porque quero muito falar com essa pessoa. Qualquer um que eu ligue (tirando a minha mãe, porque essa não tem jeito e mãe é assim mesmo) e me receba com esse tipo de cobrança, pode ficar certo que não vai receber outra ligação minha tão cedo. Talvez nunca.
A não ser, claro, que seja a mulher com quem estou transando.
Eu devo ser muito poliana mesmo, ou então vocês vão me achar muito cínico, muito as-uvas-estão-verdes, mas quando ouvi esse comentário pequeno hoje à tarde, eu fiquei até feliz.
Porque pensei: caralho, que delícia não precisar mais ouvir isso!
Fui muito feliz ao lado da Joana, mas comentários como esse quase me levaram à loucura durante meses. Saber que não preciso mais me rebaixar ao ponto de explicar que liguei na hora em que ela estava ocupada porque não sabia os horários dela, não porque não queria falar com ela, etc etc, hmmm, gente, eu juro, isso é uma delícia também.
Cada coisa na sua hora, claro, mas poder virar às costas pra alguém que faz um comentário desses é tão bom quanto sexo.
Elas por Elas
Postado por Ratapulgo às 18.4.04 0 grudados
Coisas para se dizer a uma garota quando você fecha
a porta do carro na orelha dela na saída do cinema
(Baseado numa história real)
- Desculpa.
- Eu tenho mal parkinson, e minha mão tremeu ao segurar a porta.
- Do país de onde eu venho, esse gesto significa "Tenha boa sorte na vida, e que seus filhos sejam grandes e fortes"
- Da próxima vez você vai dirigindo, abre a porta pra mim e desconta.
- Sou sádico, e essa sempre foi uma tara minha. Amanhã brincaremos no porta-malas.
- Pense pelo lado positivo. Se isso fosse um caminhão, nessa hora você teria traumatismo craniano.
- Ainda bem que seu brinco gigante de argolas amorteceu um pouco do impacto.
- Eu fazia isso sempre com minha ex-esposa e ela nunca reclamava. Que Deus a tenha.
- Trabalho num curral, foi força do hábito.
- Éssa é minha habilidade e percepção para fechar portas. Você precisa me ver ao volante.
Zazoeira
Postado por Ratapulgo às 18.4.04 0 grudados
Expatrias
A fila de carrinhos dos carroceiros estaciona ao lado das bancas de flores da Pç. Generoso Marques, que cheira à amor ou cheira à velório, depende do nariz do cristão que sente o perfume no ar. A distribuição de sopão aos pobres e expatrias da Pç. Tiradentes começa logo que as luzes se acendem. A Catedral e seus anjinhos funéreos pouco atrativos aos olhos das crianças, parecem tristes e abandonados. Desvio do panfleteiro, ele corre em minha direção, não, obrigado moço, ninguém é obrigado a encher o bolso ou as ruas de papel. "Mas é o meu trabalho", ele resmunga de lado. Grande questão da humanidade. É o trabalho dele, mas o meu direito de não ser incomodado na rua deveria ser respeitado. Eu estaria colaborando com o desemprego no Brasil apenas por não pegar um simples panfleto que eu nem vou ler? Da próxima vez eu pego, só por desencargo de consciência. Madame-alguma-coisa, cartomante, faz leitura de tarô cigano, joga búzios, vê a cor da aura. Quanto essa impostora deve pagar praquele cara distribuir os panfletinhos e emporcalhar a cidade inteira? Um pastor passa com a bíblia nas mãos, discursando em plenos pulmões na XV de Novembro, grita perto de mim: “Teus filhos pagaram!”. Pelos meus ou pelos teus pecados? Pagarão por mais um panfleto no chão...
Old Style For The New Generation Priority
Postado por Ratapulgo às 18.4.04 0 grudados
17.4.04
FIGURAÇAS DO RESTAURANTE POR QUILO
Os que trabalhamos no centro da cidade não podemos fugir dessa regra: almoço no “quilo”. A maior discussão até hoje feita sobre o tema foi acerca das expressões “por quilo” e “a quilo”. Para provar que somos ainda mais superficiais, traremos para análise os tipinhos que infestam esses estabelecimentos.
O Holístico
Século 21, momento de aceitação das diferenças, superação dos preconceitos, ultrapassagem de barreiras etc etc etc. Talvez isso impulsione alguém a misturar macarrão com bife e purê de batatas. Tudo sempre com pão e arroz. Incrível. E se houver um espacinho entra batata frita na parada.
A Dietética Contraditória
Ela fica zanzando na parte das saladas. Pega isso, aquilo, aquele outro. Um prato digno de um faquir sem fome. Aí, depois de tudo, pede alguma sobremesa da pesada. Todos olham assustados e ela quase sempre se sai com a velha desculpa: “economizei calorias com a refeição para gastar com a sobremesa”. Por isso que nunca emagrece.
O Nobre Decadente
Ele tá no quilão, igual todo mundo. Mas ele NUNCA é igual a todos. Então trata de evitar misturebas, monta um prato digno de um restaurante à la carte. Senta-se como um digno representante das famílias tradicionais, e come sem cometer uma mísera gafe de etiqueta. Só falta mesmo colocar o guardanapo de papel sobre a coxa.
As Unidas
São três, quatro, talvez cinco garotas que vão para o mesmo restaurante e... COMEM A MESMA COISA. No Mac cada uma pede um lanche. No japonês, cada uma prefere um peixe diferente. Até no chinês há divergências. Mas no quilão pegam sempre a mesma coisa. Você pode misturar os pratos ali, que elas nem vão perceber.
O Equilibrista
Essa figura é mais comum quando o restaurante coloca um “teto”; aquela coisa de “coma à vontade por xx reais”. Como o figura come pra gasset, então já enfia tudo que pode e não pode no prato. Trinta andares de bife, quilos e quilos de arroz. Um vexame. Depois vai ao banheiro e dispara suas armas químicas e biológicas.
A Rainha dos Supérfluos
Lembra um pouco a “dietética contraditória”, mas aqui não há tanta preocupação com emagrecimento. Esta menina faz o seguinte: come bem pouquinho. Pouco mesmo. Praticamente não come nada. Aí cai de boca na sobremesa. Exagera. E pede também suco disso e daquilo. No final, compra uma caralhada de docinhos.
gravataí merengue
Postado por Jan às 17.4.04 0 grudados
16.4.04
Halls no cu dos outros é refresco!
Eu e minha esposa, estávamos na praia, passamos em frente a uma banca de jornais e seguiu o seguinte diálogo:
- Rique, dá uma paradinha aqui, quero comprar halls.
- Halls? Essa hora Sandra?
- É! e me olhou com uma carinha no estilo - Voce sabe do que eu estou falando.
Mas eu não sabia porra nenhuma!
...
No quarto.
- Sandra, pra que que vc ta abrindo esse halls, LOGO AGORA?
- Quero fazer a experiencia que a Débora falou. Ela disse que voce coloca..espera um pouco e depois assopra.
- Essa merda vai arder!
- Voce disse que faria qualquer fantasia minha!
- Porra..mas logo em mim? Não pode ser em vc?
- Não, senão não se caracteriza a fantasia.
- Não pode ser Tic Tac - tem que ser halls? Tic Tac é um pouco menor.
- hahahaha...NAO!
- Tá..vai.
Bom não vou contar os detalhes do aplique, mas, passados 2 minutos..
- Sandra, essa merda ta ardendo!!!
- É assim mesmo. Ele disse que é assim, que dá uma refrescancia e depois vem o tesão.
- Que tesão? Pirou? Essa merda ta ardendo!!!!! Só se for tesão sadomasoquista de ver o homem sofrendo.
- Agora tem que assopar
- Vai assoprar o caralho! alias não vai assoprar nada! Deus me livre - vocês são loucas.
- É ardência refrescante.
- Vem cá - BEM - que vou colocar em você pra ver a ardência refrescante.
- hahahahaha - acho melhor voce lavar a bunda!
Foi assim que terminou minha noite de sexo refrescante, dia seguinte a Sandra ainda ligou pra Débora pra perguntar se tinha feito algo errado; quando a Débora conseguiu parar de rir, ela disse que nunca tinha feito isso, que era só brincadeira e mais uma fantasia da cabeça dela. O mané aqui entrou de gaiato, fiquei a noite e o dia todo com a bunda ardendo e a minha mulher dizendo que talvez com o sabor uvas verdes não fosse tão agressivo.
Eu não merecia!
casos e acasos da trifase
Postado por Jan às 16.4.04 0 grudados
Vidas possíveis
1. Joseilton levantou-se do banco do ônibus para permitir que a senhora sentasse. Ela não agradeceu, e Joseilton se arrependeu profundamente. "Velhinha filha da puta", pensou enquanto ajeitava os livros de química debaixo do braço.
2. "Eu quero ser o desodorante do seu sovaco". A expressão do rosto de Graicequéli após ouvir estas palavras disse tudo, e Onaireves passou mais uma noite batendo punheta.
3. Roberto Capixaba perdeu o pênalti aos 44 minutos do segundo tempo, e seu time perdeu a quinta partida seguida. Antes de descer para os vestiários, ouviu o grito de um torcedor: "eu tenho vergonha de voltar para casa e olhar para o meu filho!". Naquela noite, Roberto Capixaba broxou.
4. Gustavo estava escrevendo um conto sobre coprofagia, mas não sabia como descrever o gosto da merda. Em nome da literatura, decidiu comer suas próprias fezes. Não ajudou muito: a merda tinha gosto de merda.
5. Crisleine olhou para baixo, sentiu o coração dar uma cambalhota dentro do peito e decidiu voltar para dentro. "Não vale a pena jogar tudo fora por causa de um babaca", concluiu. Um pombo surgiu, repentinamente, batendo as asas. Antes de se estatelar na calçada, teve tempo de pensar que sequer havia escrito uma carta de suicídio.
6. Jonas estava ao lado da namorada quando viu, do outro lado da rua, um mendigo pisar numa casca de banana e cair de bunda no chão. Conseguiu reprimir a gargalhada a tempo.
7. A primeira vez que Alessandro se apaixonou por Bebel foi quando viu as covinhas que surgiam em seu rosto quando ela sorria. A segunda vez, quando descobriu que ela gostava de AC/DC e Black Sabbath. A terceira, quando Bebel disse "eu vou morrer, eu vou morrer" na hora de gozar.
8. Sábado torrencialmente chuvoso. Em vez de viajar para Bragança Paulista, como fazia todos os fins de semana junto com a esposa, Gaspar resolveu passar o dia arrumando as bugigangas na garagem. No meio das pilhas de caixas, encontrou uma cueca com um autógrafo do Roy, dos Menudos. Divorciou-se três semanas depois.
9. Quando Márcia viu que sua carreira de atriz pornô estava chegando ao fim, sucumbiu enfim aos insistentes pedidos de casamento de João Oswaldo, zelador do seu condomínio. Hoje, quinze anos depois, Márcia deu a João como presente de aniversário de casamento uma caixa de Viagra.
10. Pedro vendeu sua alma ao diabo em troca da juventude eterna. Não precisou regatear muito para que o demônio lhe concedesse uma outra benesse: "que a pessoa que eu amo viva comigo". Pedro e Letícia viveram jovens por mais de setenta anos. Mas o amor acabou, e Letícia envelheceu anos em minutos por entre os braços de Pedro, até se desvanecer completamente em pó.
Pensar enlouquece. Pense nisto.
Postado por Jan às 16.4.04 0 grudados
Não tem muito tempo e eu estava tirando sarro da minha própria cara de anfitriã-classe-média, que ficava dando instruções desnecessárias para meus hóspedes, do tipo "a da esquerda é a fria, a da direita é a quente", como se a minha casa fosse uma unidade móvel da Nasa, cheia de tecnologias desconhecidas ao humano normal.
Daí chegou este novo hóspede ontem. E eu pensei: nah, dessa vez não. Não vou fazer papel de palhaça. Não há nada nesta casa que esse cara não possa descobrir sozinho.
Então achei um pentelho no meu sabonete de rosto.
Epinion
Postado por Jan às 16.4.04 0 grudados
Em cima da mesa de canto do quarto punumbroso
Orlando,
Tive que me ausentar de seus aposentos muito mais cedo do que imaginava. Recolhi meus brocados e jóias de seus dedos, quase lhe arranquei um dos olhos (era meu de direito), pedi que os Deuses trouxessem seus sonhos para perto de você algum dia. Cansei-me de esperar o chá que nunca esfriou. Lembro-me vagamente de nosso último diálogo e percebo agora o quanto errei em retornar a sua vida assim sem avisar, acho que nunca parti verdadeiramente. Somos adultos, é suposto que não erremos mais com tanta peripécia. Havia me feito diferente nos últimos tempos (não foi suficiente) e até cheguei a acreditar no possível enlace harmônico de nossos gostos, mas as possibilidades foram sendo reduzidas em fieiras. Agora parto simples, sem falsas esperanças, entendendo, como disse, a providência do usual e a potencialidade das luzes que fazem parte do seu estojo. Nada mais prende-me a ti, em certa forma, a não ser a memória e essa missiva. A sorte é pouco perto de ti. Beijos, como sempre.
Orlando.
Sonho by Ernesto Diniz
Postado por DaniCast às 16.4.04 0 grudados
15.4.04
Conclusões Lógicas:
I) A quantidade de travesseiros com que dormimos é inversamente proporcional à quantidade de mulheres ao nosso lado na cama.
No pain, no gain...
Postado por DaniCast às 15.4.04 0 grudados
14.4.04
!?
Seus cabelos pousados sobre a pia do banheiro me fitam com curiosos olhos. Certamente querem descobrir os meus pensamentos sobre você. Não conto. Me desfaço deles como se você os tivesse me passado com as mãos molhadas por cima da porta plástica. Minha vida que tem passado por mim como um filme, agora tem você entrelaçada às minhas pernas e eu sinto falta dos nossos abraços e beijos demorados, de quando suas pernas se apoiam nas minhas e os nossos pés tentam, disfarçadamente, se encontrar como se tivessem vida própria e nenhum auto controle, de quando os seus toques me surpreendem e dos seus olhos que não cessam em me escapar. A sensação de que isso tudo não vai acabar nunca vem e a saudade me sussurra com doces palavra cruéis
Acontecível
Postado por Ratapulgo às 14.4.04 0 grudados
mais teorias inúteis de horas ociosas
1. Terror é escracho; ficção científica é pompa.
2. Num filme de ficção científica, metade dos diálogos são ordens, a outra são explicações.
3. Não há gente mais taciturna que a tripulação de uma nave espacial.
4. Os exploradores espaciais falam em apenas três entonações - imperativo pra mandar, lengalenga pra explicar e gemido pra gritar. Mas se um dia alguém me perguntar, o que define um filme de ficção científica é "tataTÁ tataTÁ!"
(fica mais bonitinho quando eu falo)
nervocalm gotas
Postado por Ratapulgo às 14.4.04 0 grudados
imponderavel aconteceu
meu sobrinho, meu nenem, minha coisa fofa de 8 anos e que bate no meu ombro, pediu minha chuteira. E eu dei. E serviu. A minha chuteira de futsal, tao linda, cheia de desenhos feitos com caneta spray prateada, no pezinho 34 da minha crianca fofa que ha' cerca de um mes olhou pra minha cara e falou: oh tia, voce eh moh vaca, neh?.
Chuteira de fustsal? E' sim. Nao que eu jogue, nao que eu saiba jogar. Tipassim, sabe? Num sei.
A day in a life
Postado por Ratapulgo às 14.4.04 0 grudados
23:30 - Rua deserta, a garota começa a subir a ladeira que a leva direto do ponto de ônibus para a rua de sua casa, daí é só dobrar a direita e andar uns 200 metros, quer dizer, se a numeração da prefeitura estiver correta, ela mora no 292.
Passa pelo guarda noturno e dá boa noite, ele faz seu trabalho, vê o bastante pra evitar, finge que não vê o que já está acontecendo, é sempre assim, as vezes avisa alguém: "Olha, tem um cara suspeito alí, dá um tempo pra passar", as vezes faz o favor de socorrer a vítima quando foi assaltada, a vida é assim, é assim que mantém sua vida. Um mês depois sumiria, e sua mãe ia vagar pelas ruas pedindo dinheiro e comida de vez em quando, pobre velha, ia fazer isso até sumir e ninguém lembrar, dela ou do filho.
Mas voltando a garota, a noite está bela e a rua, em seu ponto mais plano mostra a melhor vista do céu da região, é uma encruzilhada irregular, com quatro ângulos totalmente diferentes, o que cria uma várzea bem no meio da rua, as vezes algum mendigo dorme nessa várzea, causando problema para motoristas desavisados, as vezes é apenas o lugar mais romântico para os que voltam da faculdade. Ela olha o céu e se pergunta se não pode ser sempre assim, vai chegar em casa e sua mãe alcoolotra vai gritar que ela estava dando, e não estudando, vai acordar cedo e descobri que não tem café da manhã, pois seu irmão comeu tudo antes dela acordar, então, depois de um dia de trabalho, e 4 horas quase dormindo na aula de cálculo, vai poder passar nesse ponto, o único ponto alto da sua vida.
Continua andando pela rua, passa pela casa da Dona Ana, pela casa daquele menino que morreu, como é mesmo o nome? Não sabe, mas foi estranho, ataque cardíaco aos 17, quem poderia prever? Lembra que a Denise, filha da Dona Ana gostava dele, lamenta, não quer nunca passar por isso.
A fábrica de chocolates! O estacionamento escuro, para 4 carros, está quase no final do terreno duplo que ele cobre, cada terreno é mais ou menos 10 passos, um metro por passo, ela viu isso num livro, ela conta os passos, ela sempre conta os passos, os terrenos de dez por vinte e cinco, ela sabe disso, ela estuda áreas na faculdade, o terreno é duplo, vinte por vinte e cinco, ela conta os passos... quinze, dezeseis, dezesete, dezoito... nunca entendeu porque contava, uma vez um ex-namorado lhe jogou na cara que ser superdotada é quase como ser autista, ela é uma criança contando os passos o tempo todo...
- Pára aí!
O rapaz tem uma arma, e tá sangrando, não quer que ela o veja, mas quer alcançar sua bolsa...
Ela pára, imediatamente lembra da amiga que foi esfaqueada um mês antes, morava quase no 400, desceu a rua sangrando, ninguém ajudou, toda rua fingiu que não viu.
- Não tenho dinheiro, tô voltando da faculdade!
- Mostra a bolsa!
É fácil, é uma bolsa com fecho de ímã, basta puxar forte, ela dá um tranco e empurra a carteira pra debaixo dos livros, tem réguas e mil quinquilharias lá, e o cara não quer chegar perto. Ele chega o bastante pra mexer na bolsa com a arma, não repara na carteira, da mesma cor que o fundo, vê o porta moedas, e o talão de cheques, droga, viu a calculadora científica, vai levar de novo! É a quarta esse mês, o pior é que o cara pensa que é agenda eletrônica, leva no ponto, não consegue nada, isso só interessa a estudante...
- Não tem dinheiro não?
- Cara, só ticket e passes, mas dá um supermercado de tícket... (ela quer que tudo acabe, passa um talão, na verdade exagerou, tem uns cinco, mas tem certeza que ele não vai conferir, passa o porta moedas, aí realmente tinha a condução duma semana, ida e volta, paciência, periferia é isso aí).
- E esse talão aí?
- Pode levar, chegando em casa eu cancelo!
- Bocuda, hein?
- Cê tá na área faz tempo, todo mundo já tá avisado, cara, só vai pegar migalha!
- Não pedi sua opinião, vira de costas e anda, não olha pra trás!
Ela quase caga de medo, por minuto pensa que ele vai atirar, lógico que olha pra trás, como não fazer o proibido? Uma cicatriz na nuca, seja o que for, o cara se ferrou mais que ela hoje.
Chega em casa e conta pro pai. Não há nada a fazer, os velhos, sustentando seus vícios, a velha na bebida e o velho o vício de amar uma louca, não vão poder ajudar a filha... mais uma calculadora científica... vai pesar no fim do mês, ela já pendurou duas mensalidades na faculdade (era faculdade paga ou parar de trabalhar, a pública era diurna).
Nesse sábado tem churrasco de rua, o dono do bar pede cinco mangos pra cada freguês, compra carne de segunda e não cobra uma caipirinha que acaba pouco depois que começa. O pai leva um pouco da carne dura pra filha e pra velha, a filha não come, faz contas de cabeça, é tudo muito mais fracionado quando se sai do colegial e vai pra faculdade, é tudo mais difícil, as raizes ficam imensas... a velha resmunga, pega uma das suas oito, ou nove, ou dez cervejas diárias e come com carne dura, não pelo gosto da carne, mas pelo gosto da fidelidade do marido, levar pra ela, primeiro ela, a cerveja e a carne dela! Depois ele, e bem mais depois, a filha.
É calor, mas ele carrega um blusão de couro, talvez a blusa mais cara que tenha conseguido na vida, em dois ou três minutos ele enxerga o Magrão, feliz, no centro da roda, cercado de amigos, churrasco e cerveja, o mais bem servido no bar, meio encabulado e sem saber direito o que faz, ele chama o rapaz:
- Magrão?
- Diga, seu Marco! Bom vizinho, nunca deu problema, vai e volta todo dia do trabalho! Tô de olho no senhor!
- Sim, é sobre isso, eu agradeço, mas minha filha...
- Conte...
- Um cliente seu... ela nem vai mais na polícia... a última vez o delegado perguntou se tinham estuprado ela, ela disse que não, então ele disse: "Tá aqui porque então? Vai pra casa e deixa eu trabalhar..." Magrão, é a quarta vez e é um cliente seu...
- Sabe o nome?
- Ironicamente, ele é xará dela.
- Pode deixar, seu Marco, isso não vai acontecer mais!
Seu Marco sente um frio na barriga, depois de um pedido desse precisa de algo forte! Pede um rabo de galo, e vira, vira tudo, ela vai ficar chateada, hoje não vai ter diferença entre o pai e a mãe. Vira pro balcão, seu blusão de couro sumiu, o Magrão também, ele olha indiferente toda aquela turma, que estava em volta do Magrão, todos olham pra ele com cara de "eu não ví", ele pede outro rabo de galo, hoje ele é amigo de sua mulher, em sua realidade triste... periferia...
Outra noite, e outra noite, e não se sabe quantas noites, mas nesta choveu, e cinco trovões caíram do céu, ou foram trovões que a periferia ouviu... ao subir pra trabalhar, a garota ficou sabendo, seu xára táva alí, no terreno baldio, cinco tiros e a pele branca de quem a chuva escorreu todo sangue. Ela passa reto.
A polícia sempre é a última a chegar, e ninguém nunca sabe de nada...
Noite escura, e ela passa pelo guarda, dá oi, e estranha, ele tem a cara raspada! Pára na várzea e olha as estrelas, a noite tá mais calma, que seria da periferia sem Magrão! O cara sabe das coisas, sabe quem é dos dele e quem não convém. Chegando em casa fica sabendo, tudo que a polícia conseguiu arrancar é que o assassino era um bigodudo. Durante muito tempo, até o próximo churrasco, todos os homens do bairro, todos os amigos do Magrão, e o próprio, usariam cara raspada.
O blusão de couro? Nunca mais se viu, o presente mais caro que seu pai tinha ganhado, mais caro que todas as calculadoras juntas...
Contos Sujos
Postado por Ratapulgo às 14.4.04 0 grudados
AS MÚLTIPLAS EXISTÊNCIAS DE MR. WATERS
Um pouco antes do período Pré-Cambriano, quando não existia Internet e o Espírito movia-se sobre as águas, eu era um Pastor Itinerante. Minha Sagrada Missão de levar a Palavra de DEUS aos Caboclos Entrevados precisava ser exercida da maneira mais tosca imaginável, que era se deslocando fisicamente até os Grandes Sertões e as Veredas para poder Pregar para a Patuléia Ignara.
Apesar de ser um ofício agradável aos olhos do Onissapiente, confesso que muitas vezes este Sacerdote que vos fala se sentia très fatigué.
Numa dessas ocasiões, em Paulínia, após explicar o Dogma da Transubstanciação para um grupo de bóias-frias, uma colhedora de café me convidou a ir com ela mais sua prima até o Festival do Irmão Caminhoneiro que ia rolar mais tarde. Belê, pensei, finalmente um pouco de diversão na vida de um Pastor exausto.
Chegamos no local da festa. Depois de tomar umas canjibrinas e dar uns amassos na caboclinha atrás da barraca de pamonha, peguei uma garrafa de Velho Barreiro - a segunda - e fui assistir ao show do estupendo Falcão. Naquela noite ele apresentou seu clássico cover de "Another Brick in the Wall", só que com a letra de "Atirei o Pau no Gato". Antes do número, ele declarou que tinha sido impedido judicialmente de apresentá-lo por ordem de "um corno lá da Inglaterra chamado Roger Waters", mas que ia tocar assim mesmo. É por atitudes dessas, e por usar ternos feitos de toalha de mesa com motivos natalinos, que eu tiro o chapéu pro Falcão.
Padre Levedo
Postado por Ratapulgo às 14.4.04 0 grudados
13.4.04
Legítimo Ataque Preventivo
Sempre que falam sobre os crimes cometidos pelos jovens da classe média, vem-me o pensamento de que todos deveriam ir pra cadeia. Mas antes que cometessem um crime.
Uma boa semana de humilhação, pirê velho e assédio sexual, e nunca mais pensariam em prejudicar o próximo.
Pela mesma razão, sou favorável a que o tabaco e o uísque sejam distribuídos a menores -- mas menores de oito anos.
***
John Carpenter no Dia do Cirurgião Plástico
Há 43 anos, Yuri Gagarin dizia lá de cima o que mais tarde se tornaria um lugar comum, que "a Terra é azul".
Muitos podem crer a frase plena de lirismo, porém a verdade é que o cosmonauta soviético era um boçal. Não era piloto profissional, tampouco uma grande inteligência, apenas um sujeito modesto, em forma, com noções de vôo, que calhou de estar no quadrilugar certo.
Foi uma das primeiras grandes celebridades de nosso mundo, vazia como as demais, e por isso sua memória deve ser tão vilipendiada quanto possível for, nem que para tanto apelemos à mentira.
Dizem que bebia feito um porco, traía a mulher, e quase morreu numa destas aventuras dionisíacas. Morreu sete anos mais tarde, levando junto seu instrutor e um Mig num vôo de rotina. Débil-mental..
Preste atenção: a terra não é azul, o mundo é um moinho, que triturou teus sonhos tão mesquinhos, reduziu tuas ilusões a pó; de cada amor, herdaste apenas algum cinismo, quando notaste, estavas à beira do abismo, abismo que cavaste com teus pés.
dies iræ
Postado por Ratapulgo às 13.4.04 0 grudados
O churrasquinho pagão
Minha vizinhança surtou de vez. Só porque nós acendemos a churrasqueira na sexta-feira santa, o louquinho albino botou a cabeça na janela, sentiu o cheiro da linguiça no ar e comecou a gritar:
- Pagãos! Pagãos! Queima Jesus!
Por sorte deu uma garoada e ele voltou a se ocupar com a sua mania de espalhar baldes vazios pelo quintal. Esse homem sempre me fez questionar se foi a altitude ou o excesso de antenas deste bairro que danificaram suas idéias. Dessa vez, só não parei para fazer um sério estudo sobre a influência das antenas nos cérebros dos moradores da região porque, pela primeira vez em trinta nos, eu me senti uma completa ignorante por nunca ter questionado coisas muito mais importantes. Como, por exemplo, porque cargas d'água as pessoas não comem carne na semana santa.
Decidida a me aprofundar nessa questão, obtive as mais interessantes respostas...
- A gente come peixe na sexta pra poder comer chocolate no domingo, oras! Redução de calorias, amiga!
- Ah, nem me pergunte! Páscoa e carnaval são duas datas sem noção. Nem o dia certo do feriado a gente sabe, quanto mais porque é que não pode comer carne.
- É lobby da galera que vende bacalhau, Alê! Maracutaia do povo da Noruega. Pode acreditar que aí tem!
- Só sei que é pecado...
- Porque a pergunta? Você pode comer carne o ano todo. Um dia que é proíbido e você já está reclamando? Custa deixar de comer uma vez na vida? Você é do contra mesmo, hein?
- Não pode porque não pode. E pára de ligar aqui pra fazer pergunta difícil!
- Pecado. Mas no seu caso, um a mais, um a menos....
- Sabe que eu não sei, menina? Mas eu só como o que me dão, mesmo...
- Tem um lance de pecado, Judas, traição, ressurreição, multiplicação de peixes... sei lá! Por quê? Você não gosta de bacalhau?
- Porque eu não quero ir para o inferno.
- Porque é melhor assim...
Bom, eu ainda tenho a desculpa de dizer que não sei, porque não fui batizada, não tive educação religiosa e só sei uma ou outra passagem da bíblia graças à sessão da tarde. Mas, é impressão minha, ou a maior parte das pessoas não fazem a menor idéia do porquê não podem comer carne na sexta-feira santa? Bando de loucos... Fazem tudo sem pensar e ainda metem o bedelho no meu churrasquinho pagão.
***
Coelhinho 2005
- No ano que vem eu vou comprar salmão para o churrasquinho pagão. Chega desse negócio de comer carne em dia santo!
- O que foi que te deu? Nunca acreditou nessas coisas...
- Minha vida está esquisita há anos. Deve ser culpa dessa idéia maluca do churrasquinho pagão. Aposto que estou sendo punida em vida. Aposto!
- Pára de falar bobagem. O moço gordo, barbudo e de chicote na mão só existe na sua cabeça infantil.
- Que seja! Eu não como mais.
- E vai abrir mão da sua cadeira cativa no churrasquinho pagão? Você sabe que saiu não tem mais volta, né?
- Eu sei, eu sei... Mas eu vou. Só não quero comer carne vermelha. Um salmãozinho grelhado estará de bom tamanho.
- Já vi que na próxima páscoa os preparativos para o churrasco serão mais trabalhosos do que o normal.
- Por quê? Só por causa do meu salmão? Imagina!
- Não, não é só por isso. É que precisaremos comprar carne para o resto do pessoal, salmão pra você e carne de coelho pra mim.
- Carne de coelho?
- É... Decidi que além de comer carne na sexta-feira santa eu vou comer também o coelhinho da páscoa.
Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados
Postado por Ratapulgo às 13.4.04 1 grudados
Eu ensaiei aquele momento na frente do espelho durante três dias. Preparei discurso, mudei discurso, desisti de discurso. Fiz um belíssimo arranjo de flores para enfeitar a mesa do almoço. Gastei uma fortuna com comida pronta, vinhos e champanhe. Enfim, tudo preparado para contar a grande novidade. Seria o meu momento! O MEU momento!!
Na noite anterior ao almoço eu sonhei que era uma famosa estrela de cinema. Na verdade eu era a Rita Cadillac gravando Aluga-se Moças, mas no sonho eu tinha até camarim exclusivo e... enfim, eu era uma estrela. “Um presságio”, pensei.
Depois da sobremesa, as taças de campanhe seriam distribuídas e, diante da expressão de expectativa dos convidados, eu daria a notícia. Quando eu finalmente batesse no copo com a colherzinha (três vezes, como nos filmes) e fizesse o grande anúncio, todos iriam me abraçar e chorar e dizer que eu seria a melhor mãe do mundo.
Na hora certa, chamei meu namorado na cozinha. “Você distribui as taças enquanto eu vou fazer xixi”. “Pode deixar!”
Sentei no vaso sanitário e relaxei. Eu estava a poucos segundos da glória. Da sala, veio a frase que soou como um alarme de incêndio.
“Pra quê tudo isso?”, era a ansiedade da minha mãe detonando a bomba.
“É porque... porque... ELA TÁ GRÁVIDA!!!”
............
Meu mundo caiu.
Quando abri a porta do banheiro, a cena: meu pai chacoalhando a garrafa de champanhe e minha mãe agarrada ao pescoço do meu namorado, chorando. Quando me viu entrando na sala, ela veio em minha direção para me abraçar.
Nesse momento meu pai conseguiu estourar a champanhe. E como numa comédia dos Trapalhões, a rolha soltou-se da garrafa para ir direto para o olho do meu irmão.
“Tô cego!”. Minha mãe pegou a bolsa e declarou: “Vamos te levar pro hospital, meu filho, calma...”
Diante daquela confusão eu não sabia se socorria meu irmão, se chorava ou se dava uma surra no meu namorado. Deixei a primeira tarefa para os meus pais, que já se preparavam para sair. Chorar iria gastar as energias que eu decidi poupar para executar a minha vingança. O meu namorado me paga! Ah, ele me PAGA!
Balde de Gelo
Postado por Ratapulgo às 13.4.04 0 grudados
Potocas
Fisioterapia. Moça simpática a fisioterapeuta, meiguinha, aprendi tudim, Alexandre atento, aprendeu também.
Carrefour. Estranhamente vazio. Os pneus do carro preto tão muito caros, vamos comprar com o Toninho mesmo. Bobaginhas, colheres de pau, anteninha pra TV que Maliu usará enquanto estiver aqui (ela resolveu que não vai morar aqui, só se recuperar depois da cirurgia), creme de leite, torradinhas, biscoito, miojinho, alho frito, cebolinha, queijecos, um par de tênis pra mim, ordens do ortopedista, eu tenho que usar tênis. Não torça seu aristocrático nariz, eu compro tênis no Carrefour sim. Tinta pra cabela sem amônia, cação, mandioquinha, carne moída, água de côco, suco de maracujá, meus cigarros, .
Depois, a loja da Fachga, tentação, eles já faziam chocolate com pimenta antes da novela, mas a vendedora disse que nunca venderam tanto, claro. Ganhei uma caixa de pimentinhas doces, e também uma caixa de ovinhos de marximélou (ganhei 10 essa semana, mas cabaram, sá cumé), compramos um ovo bem fofo pro Bernardo e um cartão "Você é nosso coehinho".
Depois, a famosa loja da Coreana, despertador de 4 reaus, abajour de onze reaus, porta-retrato de gatinho de oito reaus.
Café no boteco com empadinha, marido que frequenta boteco com vc, bebe o café beijando sua mão, conta piada de freira, ri enquanto vc faz graça bebendo água de canudinho, isso não tem preço.
Depois Kalunga, teclado novo, donde lhes escrevo, o teclado velho eu botei no tanque pra lavar e estraguei. Sim, eu lavei um teclado com escova dura e Omo Citrus, eu sou uma debilóide. Adesivos fofos, nem sei o que farei com eles, um máuse novo, ainda bem que o Alexandre tava lá, eu não devo entrar na Kalunga sem a supervisão dum adulto, eu enlouqueço.
De volta, macarrãozinho instantâneo, cueca-cuela, guardar compras, pendurar umas fotas, telefonemas, beijocas do Alexandre que ri me vendo comer chocolate e me chama de fumiga, arremate duma tradução chata pra cacete - amanhã começo uma nova, prum moço chamado Pedro Capeto, que deve tar achando que eu morri e levei o livro dele comigo pra tumba - fofura de gatos, gemer por causa do pé (sim, Claudinho, Petita, eu abusei), chorar com o blog da Ella, ouvir o Alexandre dormindo, pipoca de microônibus e uma saudade imensa, imensa, da aurora-da-minha vida-que-os-anos-não-trazem-mais. Era a época que minha avó mais parecia feliz, não sei se era a que ela mais gostava, mas ela parecia sempre estar se divertindo na páscoa, e nos fazia ovos lindos, recheados com bombons tb feitos por ela (os meus eram de menta), ovos que depois ela embalava com papel alumínio colorido e tule, e ela assava pernas de cordeiro, ria muito, falava do passado, cantava cançonetas napolitanas, preparava bacalhoadas, e lazanhas e nos beijava. A velha não era de beijos, nem no Natal, mas minha teoria é que na páscoa, mais que no final do ano, a menina pobre, carente e sem mãe, que foi trabalhar de empregada doméstica antes mesmo de virar mocinha, se soltava, se divertia, se espantava com sua prosperidade, com a família que havia constrído, com as possibilidades da vida. Nós achávamos tudo muito simples, mas para ela era um passo gigantesco, uma ascensão incrível, casa própria, uma brasília na garagem, filho estudando agronomia em faculdade paga, filha psicóloga casada com médico, todos saudáveis, todos juntos, e ah, vovó, todos felizes, nós éramos tão felizes. Ou pensávamos que éramos, o que dá no mesmo. Enfim, são os únicos dias do ano nos quais lamento profundamente não ter uma filhinha, que procure os ovinhos do coelho, que se espante com as pegadas e com o ninho dele, que use orelhinhas de feltro e durma no meu colo com o rosto lambuzado .
Vida é o que acontece enquanto vc faz outros planos
Ben Bagley
Potocas do Drops da Fal,
Ticcia voltando do além
Postado por Ticcia às 13.4.04 0 grudados
12.4.04
Encontrei um amigo do tempo da Faculdade, que resolveu mudar para uma cidade minúscula de 20 mil habitantes, não tem cinema, teatro e a tv só funciona até certa hora, cortam a transmissão assim, ó, no meio, sem aviso prévio. Tem um boteco em cada esquina, e 6 motéis! Concluí que o povo só bebe e faz sexo como diversão. Um paraíso para muitos, sem dúvida...
Ele tem um dos meus trabalhos e me disse carinhosamente:
- Sempre que vejo aquela peça, ou vejo você de novo tenho vontade de gritar: Gostosa!!
Isso sim eu chamo de elogio, mesmo achando que a peça não seja digna de galeria nem eu a deusa sexual dos sonhos dêle. É a linguagem do afeto, da admiração e do respeito pelo meu tempo e pelo dêle. Isso, um Credicard não cobre: nao tem preço.
sem saída
Postado por Jan às 12.4.04 0 grudados
Esses dias minha prima estava me dizendo que pobre é uma merda, tem mania de passar óleo de peroba em tudo. A mãe dela passou no monitor do computador e quando o técnico foi pegar, pra levar pro conserto, escorregou da mão dele (pausa pra rir) .
Hoje foi minha vez, a empregada, mãe de Jó Saint Laurent da Silva (eu processaria minha mãe) passou aquela merda na TELA do monitor e da televisão.
Cheguei aqui no quarto e isso estava cheio de pêlo de cachorro grudado com o óleo na tela, depois ela reclama que tem que pedir pelo amor de deus pra falar comigo.
Eu fui reclamar ela pediu desculpa e disse que ia passá detegenti pra sair.
Já ví meu monitor tendo o mesmo destino do monitor da minha prima.
- Pode passá palhinha?
- Passa palhinha na bunda, Francilene.
Agora eu to aqui pensando como que vou tirar todo esse óleo da tela, já tentei um monte de coisa e não saiu tudo.
Se alguém tiver alguma dica, eu aceito.
Casos e Acasos Virtuais
Postado por Jan às 12.4.04 0 grudados
11.4.04
Top hits Páscoa feliz
Por Psydre, Clint e HC
Questões-chavão
1. Mãe, coelho bota ovo?
2. Mãe, o bacalhau tem cebola?
3. Mãe, o bacalhau tem espinha?
4. Mãe, o que Jesus tem a ver com ovo de chocolate?
5. Mãe, tem bife?
Comentários pós-Páscoa
1. Tá com dor de barriga? Quem mandou comer o ovo inteiro de uma vez?
2. Tá com espinha? Quem mandou comer o ovo inteiro de uma vez?
Páscoa na TV
1. Consumo de ovos de Páscoa bate recorde
2. Venda de ovos é o maior nos últimos dois anos
3. O brasileiro deixou para fazer as compras da Páscoa na última hora
4. Empresário pára o trânsito distribuindo ovos de Páscoa em plena luz do dia
Bonus track acredite se quiser
"Ovos Dizzioli, os mais gostosos"
Homem Chavão
Postado por Ratapulgo às 11.4.04 0 grudados
Minha formação (IV)
De 1991 a 1996, eu praticamente só li bobagens, e devotei muitas energias à audição de coisas com guitarras e baterias. Mas não posso dizer que Peter Gabriel, King Crimson e Rush tenham realmente me influenciado; no máximo, deixaram um ruído desagradável no meu ouvido direito. Naquela época, é claro, eu achava que a música popular contemporânea era uma coisa muito séria; hoje, entendo o que os mais velhos queriam dizer com “isso é só uma fase”.
Melhor dizendo, creio que a música popular se relaciona muito mais ao gosto do que à “formação” propriamente. Eu posso gostar de músicas que são perfeitas bobagens, como efetivamente gosto, mas isso não tem nenhuma interferência na minha maneira de ver o mundo ou de lidar com problemas. Isto é, qualquer coisa cantada por Ella Fitzgerald me deixa feliz, mas esta felicidade é semelhante à que eu tenho quando como um bolinho de chocolate. E o fato de eu gostar ou não de chocolate não interfere em quase nada na minha vida intelectual – só influi na medida em que, se eu comer muito chocolate, fico burro e não consigo estudar nem trabalhar; se comer pouco ou nenhum, fico infeliz e também não consigo fazer nada. A mesma coisa com a música popular: precisamos de recreação, para relaxar a mente. Mas quem ouve muita música popular acaba muito disperso e não consegue pensar direito.
(...)
O Indivíduo
Postado por Ratapulgo às 11.4.04 0 grudados
Bozó
Lá estou eu, quieta, muito na minha, em frente aos Correios do Centro, logo após pegar um catatau de originais na caixa postal da editora. Prontinha para o trabalho, terno azul marinho de risca de giz, blusa social, sapato alto de bico fino, cabelo preso e óculos. *A* advogada. Com o Paulo, espero pacientemente um táxi que me leve até o escritório, quando observo uma senhora um pouco mais adiante.
Ela olha pra mim e olha pra bolsa. Olha de novo pra mim e olha pro chão. Com cara de quem pensa: "vou? não vou?" Eu já entro no meu mode de mau humor, prevendo que serei abordada pela senhora para alguma informação que não saberei prestar, ou alguma boa ação que não quererei fazer (e nem poderei, porque não tenho dinheiros no momento).
Então ela se decide. E vem vindo. L-e-n-t-a-m-e-n-t-e. Está tão envergonhada e olha tanto pro chão que mais parece um menino de doze anos prestes a me chamar pra dançar música lenta numa festa americana.
Olho pra ela, começando a preparar a minha cara de "não, não sei", que é muito parecida com a de "não, não tenho" e deixo que ela fale. Eis a pérola:
"Você não é aquela moça da novela?"
Eu olho pro Paulo. Moça da novela? Pffffffffffff. Seguro a risada e volto pra senhora:
"Não, não sou" (e vejam só como é apenas uma variante do "não, não sei" e do "não, não tenho"). Ela olha de volta:
"Tem certeza que você não é a moça da novela?"
Eu dou uma risadinha sem graça - enquanto olho para os lados procurando o Paulo, que deve ter rolado rua abaixo de tanto rir - e reitero:
"Tenho, sim senhora."
[Ora, veja bem, que se eu fosse a Malu Mader ou coisa parecida eu não estaria às nove da manhã vestida de devogada e cheia de pacotes na mão em frente aos Correios, mas sim fazendo uma escova nos cabelos e depilando a sobrancelha (ora, me deixem, se eu fosse a Malu Mader, eu faria isso) e me preparando para entrar em cena.]
Ela vai guardando de volta na bolsa o caderninho ou coisa que o valha, onde ela planejava que eu colocasse meu "autógrafo". Fico curiosa:
"Mas que moça, hein?"
E a mulher então, já se afastando, me fuzila com olhos fulminantes, reflexo da certeza que lhe transborda a alma:
"Pois pra mim você É ela!"
Me dá as costas e sai andando.
Moral da história: além de ter virado atriz, eu sou antipática e metida. Hoho.
Epinion - mau humor, mentiras e fé patológica
Postado por Ratapulgo às 11.4.04 0 grudados
histórias de gordo
episódio de hoje:
john lennon, 2004
john lennon é gordo. depois de ter lançado um disco sob pseudônimo em 1982 (com a justificativa de ter enchido o saco dos telefonemas intermináveis do paul falando sobre um novo astro que cantava e dançava numa banda de irmãos), depois de ter se mudado de nova iorque em agosto de 1979 e ido morar na lapa incógnito, depois de abandonar as composições por uma bucólica vida subdesenvolvida de óculos escuros de armação quadrada, depois de ter trocado a yoko por duas anônimas de olho aberto, john lennon ficou gordo.
ele sabe, tanto quanto todos os gordos do mundo, que ser gordo não é apenas ter dificuldades com cadarços, roletas, escadas, balanças e outros, ser gordo é, antes de tudo, um estilo de vida. ou vocês não sabiam?
john lennon sabe, e é assim que vive, tomando porres homéricos nos botecos de penumbra, dedilhando velhos sucessos de chico buarque no violão - "gênio! gênio!" grita, entre uma música e outra, um gole e outro.
dia desses um lennon grisalho, barbudo e bem careca pelo consumo absurdo de cigarros e álcool, sentindo o ranço suarento que emanava de seu corpo gordo e ensebado de fumaça de calabresa, teve uma espécie de iluminação, um estalo com notas, harmonias, acordes, palavras que dançavam em sua mente e postas juntas faziam um sentido todo especial, um sentido que só ele concebera até o momento, que só ele via como uma potencial música formando-se,
gestando em seus olhos e sua mente. e era das boas, ô se era. lennon sorriu, esticando um pouco a papada e escondendo ainda mais os olhos por detrás das gordas pálpebras, olhou para a caneta no bolso do garçom, o bolo de papéis no mesmo bolso, normalmente usado para torpedos entre mesas desempregadas ou maquiadas ou envelhecidas ou gordas ou todas juntas, fez menção de pedir os objetos com dois dedos da mão esquerda, ouviu um grito, olhou para o outro lado, o lado da rua, e ficou assistindo á briga entre duas senhoras pela atenção de um outro gordo de gravata numa mesa
próxima.
recostou-se na cadeira de ferro enferrujado e incômoda para um gordo como ele, olhou de novo para o garçom, mais uma ceva!, ajeitou o largo traseiro e deixou-se relaxar. john lennon é gordo.
****
episódio de hoje:
bola e as mulheres
'só existe dois tipo de mulher: as que dão e as que voam!' - por essa frase, podia-se saber que o bola estava por perto. geralmente por perto mesmo, em alguma mesa de bar próxima, em alguma gafieira próxima, em alguma esquina de meretrício próxima ou no jóquei clube, não tão próximo assim. isso era o bola. a frase, o jeito de falar alto e muito, babando - inerente ao fato de falar muito e alto, enfim. ele só babava menos quando tinha cerveja na jogada. no caso, descendo por sua garganta envolta pela mais larga, volumosa e gordurosa papada. sim, o bola tinha uma senhora papada. mas a papada do bola é irrelevante. o bola é irrelevante, agindo desse jeito. ninguém é amigo de vervade do bola. ele é mais um tipo de personagem folclórico que é bom ter numa mesa próxima, nem que seja só pra ouvir a frase famosa do bola, ver como ele consegue beber um copo tulipa cheio de cerveja num gole só ou ver sua bonachona papada debatendo-se ao ritmo de sua gargalhada virulenta. mas tudo isso é irrelelvante.
acontece que o bola, numa ressaca de chorar seco num dia desses, qualquer dia da semana, já que o bola bebia diuturnamente, sempre cerveja, porque 'essas cachaça é coisa de pedófilo', bola rolou para fora de sua cama como fazia às vezes, abriu as cortinas como fazia sempre e olhou para fora, como nunca fazia. o que o bola viu? senta aí que essa é de bambear as pernas. ele viu uma mulher voando. sem apoio de motor, sem capa esvoaçante, sem guarda-chuva, sem avião invisível, sem pose. a mulher simplesmente voava, planando com a graça que só uma mulher pode ter quando voa. bola esfregou os olhos, olhou de novo e lá estava a mulher, voando, acenando para alguém na mesma altura que ela. e bola acomapnhou o destino do aceno e o que ele viu? outra mulher voando. e mais perto, outra, e mais ao longe outra, ali acima da banca de revista com uma marie claire nas mãos outra, e mais outra com um poodle branco nervoso debaixo do braço, que tanto nervoseou acabou caindo e se esborrachando no asfalto, gerando uma multidão de mulheres curiosas voadoras, donas de casa, moças da vida, até uma que o bola conhecia ali da zona, todas, todas, todas voando.
bola olhou para os pés como fazia nas raras ocasiões em que se propunha a pensar a sério sobre algo, respirou fundo e lembrouse de sua frase predileta. só existe dois tipo de mulher: as que dão e as que voam. bola coçou a papada, olhou mais uma vez pela janela, correu pegando suas roupas sujas de ontem jogada pelo chão do quarto já vestindo-se de forma amassada deixando-as apressadas pelo volumoso corpo, chegou à rua, olhou para os lados, foi até a esquina, procurou para a outra esquina, e nada. nenhuma mulher pelo chão caminhando. olhou para os pés.
'é, hoje não sai nada.'
deitado em sua cama, roupas sujas, bola dormiu. de cortina fechada.
como assim dois uísque?
Postado por Ratapulgo às 11.4.04 0 grudados
PÁSCOA
Da série NINGUÉM É O MESMO, MESMO QUE SE REPITA
Nublava a Páscoa. Não me lembro de outro tempo. Minha avó na Sexta Santa não arrumava a cama e só penteava o cabelo às 15h. Folgava de si. Carregava um terço marrom para ir à missa e um terço preto para o quintal. Rezava a céu aberto. Os ovos eram recheados de amendoim. As galinhas ficavam ruivas nessa época. Eu tentei fazer suspense para minha filha pequena e desenhei patas de coelhos com pomada no armário. Nunca consegui apagar as patas. O vizinho Riomar tocava violão com garfo. Quando perdeu seu amor, cortou as cordas e fez uma forca do violão no pessegueiro da praça. Guaporé acordou com um violão enforcado. Cidades do interior com lombas são religiosas. É preciso muito Deus para subir inclinado. Em dias de casamento, se descia a ladeira. A procissão subia. Fui o anjo da guarda, até que a cola de uma das asas soltou e terminei manco de vôo. Colocaram uma coroa em minha cabeça que eu entendi como antena de inseto. Um inseto de lâmpada. Meu irmão Rodrigo usava uma faquinha para abrir os ovos grandes, retirar o recheio e os brindes. Montava o celofane de novo e não se percebia o esvaziamento. Não se come carne na sexta. Minha mãe sumia com todos os salames e presuntos da casa. Ao meio-dia, vinha o "Senhor Tem Alguma Coisa Para Dar?" bater a campainha. Ele tirava o chapéu e pedia a gentileza de uma moeda. Mais educado do que o próprio chapéu. Levou o casaco surrado e quadriculado de meu pai. Um casaco horrível que meu pai não largava de jeito nenhum. Meu pai ficou louco quando não o achou. Ele gritava: cadê o meu paletó? Aquilo não era paletó, mas todo mundo compreendia. Um dia, ao passear pelo bairro, encontrou o "Senhor Tem Alguma Coisa para Dar?" com seu casaco. Deu uma nota preta para ganhar o casaco de volta. Comprou sua vaidade. O casaco ressuscitou para o desespero das outras roupas. Páscoa não é um dia triste, mas um dia misturado, as palavras andam de pernas-de-pau para assustar as crianças. No cesto, a palha faz o chocolate inflar. A palha é a mola do sol.
Fabricio Carpinejar
Postado por Ratapulgo às 11.4.04 0 grudados
CADA CONA É COMO É
Ontem, caí no erro de esbodegar tranca saloia virado para um espelho. Erro porque, a berlaitadas tantas, em vez de olhar para as minhas caretas, vislumbrei a minha parceira. Assustei-me e pensei: “Ó Pipi, o que é isto, pá? Então tu estás a partir esta sopeira à canzana ou ela está-te a fazer um broche?” Não, era mesmo uma canzana. Ela tinha era cara de cu.
Este facto fez-me levantar uma questão – e, por momentos, baixar a pichota.
Porque é que eu, Pipi, teimo em tentar sacar gajas feias, gajas gordas, Odete Santos, gajas com problemas de pele, gajas com queda de cabelo?
Reflecti sobre isto e cheguei à conclusão que é o resultado imediato de ser um curioso da foda. Para mim, cada cona tem o seu encanto. Um encanto único, especial. E eu quero conhecê-lo a todas.
Normalmente, aferimos, à primeira vista qual a principal qualidade fodenga da gaja: se é gira, se tem boas tetas, rabo rijo, pernas elásticas para pôr atrás das orelhas, odor agradável. Ou seja, o aspecto físico da gaja é o seu encanto. Nessas não há mistério
Mas, como disse, cada cona tem o seu encanto próprio. Por isso, uma gaja feia e gorda intriga-me. Partindo do princípio pipiano de que cada gaja tem em si o potencial para ser um dínamo de tesão, onde é que o Criador terá colocado o encanto desta puta? O que é que o Gajo terá escondido no meio desta chincha toda? E, de repente, vejo-me a jogar ao “quente e frio” com Deus. Estou a dar por trás à feia e parece que O ouço dizer “morno, Pipi, morno”. Mudo a piça de buraco e já Ele me incentiva: “a aquecer, Pipi!”.
Pode ser um movimento original, uma pachacha musculada, uma capacidade de sucção alienígena. Pode ser uma amplitude inaudita, uma noção de ritmo africana, uma luxação auto-infligida que cria um novo buraco para enfiar o nabo. Qualquer coisa de único.
Claro que, normalmente, não é nada disto, e a verruga no nariz é mesmo o traço mais característico da crica em questão.
Mas vocês conhecem-me e sabem que eu sou um romântico do pinanço. Um romântico do pinanço que acha que em cada pito por conhecer há uma promessa de perfeição única e misteriosa a realizar. E uma racha apertada para foder, claro.
O Meu Pipi
Postado por Ratapulgo às 11.4.04 1 grudados
507
Um homem e uma mulher encontraram-se e logo se apaixonaram perdidamente, o que até seria quase vulgar, não fossem as circunstâncias adversas que fizeram com que esse amor ainda mal começara e já fosse. Acontece que a mulher vivia no presente, cada dia de uma vez, como se fosse o último. Por outro lado, o homem vivia no futuro, cada dia era para ele o primeiro de todos os que se seguiriam. E foi desta maneira que ainda mal se haviam apaixonado e já o amor era passado. A moral desta história a seu tempo chegará. É só ter paciência!
Postado por Ratapulgo às 11.4.04 0 grudados
Sexta-feira da Paixão Ontem seu João trouxe os peixes. Você sabe como eles são escorregadios. O papel que os envolvia rompeu e fiz um malabarismo para não deixar que caissem todos no chão da cozinha, sério, foi quase uma cena de terror. Dei um grito quando vi que eles tinham cabeça e olhos. O peixe estava morto mas os olhos pareciam vivo e me condenando. Hj coloquei um deles no forno, depois de temperá-los quase de olhos fechados: limão, meia xícara de azeite e meia de vinho branco. Não comi.
blowg
Postado por Ratapulgo às 11.4.04 0 grudados
Campo de Visão
o que, agora, meus olhos leêm
"Cobertura para danos aos vidros"
"Fahrenheit, Christian Dior, Paris"
"Jorge Luis Borges, I, Obras Completas"
"Kiss city"
A Nodaji agradece e oferece a você cliente, pelos prêmios recebidos."
"Puccini: Tosca, 8.66001-2"
"Starmicro, pentium III, CPU cooler, life time warranty"
"18:45"
"PMPO-120W, Power, surround, vol, tone"
"banespa, Santander Banespa, S.E.E.D, 2.4.04, Brasil, R$ 0,70"
"O Pasquim 21, 1964-2004, 40 anos: e a corrupção, quando acaba?"
"Sony CD-R CDQ80N3"
"Edit your blog: Zazoeira - Mozilla, BLOGGER, Edit Post, Post & Publish"
Zazoeira
Postado por Ratapulgo às 11.4.04 0 grudados
10.4.04
Prova de Masculinidade, por Zef
O protagonista: Marcelão, 25, solteiro, carioca, morenaço, sarado, tudo de bom. O protótipo do "jovem macho caçador". O dia: sábado à noite. A situação: uma festa a fantasia, da turma de arquitetura da sua faculdade, uma miríade de gatas lindas, sensuais, espertas e interessantes. Tão interessantes que o tema da festa é mulher vestida de homem e homem vestido de mulher, pra subverter e mexer com a libido da galera. Por isso é que Marcelão, 25, sarado, bonitão e etc está indo para a balada aquela noite com o vestido da irmã, alguma maquiagem, baton, enfim, o mais produzido possível dentro do suportável pelo seu ego macho até a última gota da cueca. Só que, no caminho, Marcelão descobre que está zerado de grana e vai ter que passar num Banco 24 Horas, com aquela produção toda em cima. E aí...
Agência de Banco 24 horas, zona Sul do Rio, 23:45. Luana, uma gata deliciosa, 27 anos, usando vestido curto, salto e meias, dentro da agência, arruma as meias, com o vestido levantado na coxa. Marcelão entra, de repente, flagra o lance e se abala. (Ouvimos o pensamento dele.)
MARCELÃO (PENSA) Ah, meu pai... Maior gostosa! Que pernão!
Luana procura o cartão do banco na bolsa. Marcelo se dirige ao caixa, enfia seu cartão e digita. Surge na tela: "escolha sua opção: saque ou depósito". O cartão de Luana cai e ela se abaixa para pegar. Marcelo, com o rabo de olho, vê mais do que suporta e perde a concentração.
MARCELÃO (PENSA) Saque ou depósito? (VÊ A GATA SE ABAIXANDO) Saque, depósito, saque, depósito, saque, depósito...
Luana pega o cartão, Marcelo disfarça e se liga na máquina. Na tela: "digite sua senha".
MARCELÃO (PENSA) Três cinco dois (OLHA A GATA) ...peitaços... Um... tremendo bumbum! Não, não... Três cinco dois um meia...Meia, mini-saia... que par de coxas, brother! Porra, Marcelo, a senha! Vamo lá: três cinco dois um meia nove... Meia-nove? Com esse avião? Ai, nem fala, nem fala!
Apito. Cartão sai. Na tela: "senha errada, tente novamente". Luana já impaciente. Marcelo põe o cartão de novo e vê que Luana o encara. Ao invés de digitar, ele também a encara.
MARCELÃO (PENSA) Gostosa! Eu te mordia inteirinha!
LUANA (FALA, DANADA) Comé que é, minha filha? Presta atenção na tela e pára de me filmar! Tá me achando bonita, é?
MARCELÃO Não... (SEDUTOR) tô te achando linda, maravilhosa, arrasadora.
LUANA Sei. Então se apressa aí que depois eu te conto onde comprei o vestido.
MARCELÃO (SE LIGA) Peraí... Você não tá entendendo...
LUANA Olha, se fôr o sapato nem adianta contar, porque vocês têm um pé enorme, só acha em loja especial pra travesti...
MARCELÃO Aí, gata... Eu não sou travesti! Sou homem, morou? Macho. Clássico, do sexo masculino, radical... (CHEIO DE MARRA) Quer tirar a prova?
LUANA Não precisa... Eu tô vendo pela maquiagem e pelo saltinho. Machão legítimo. (PASSA À FRENTE) Agora sai, bicha, chegou minha vez.
Marcelão segura o braço dela, com força, com aquele charme quase pitboy, famoso na "naite".
LUANA (NEM AÍ) Que é, santa? Surtou? Vai me dar uma surra de saltinho?
Marcelão nem responde. Agarra Luana e tasca-lhe um beijão na boca. Seguem-se, com algums variações: chupa-chupa, rala-rala, roça-roça, esfrega-esfrega, etc-etc. No fim...
MARCELÃO (FIRMEZA TOTAL) E aí, gata.. Sacou agora qual é? Sentiu a pressão?
LUANA Nossa. (GEME) Nunca pensei que fosse tão excitante beijar um traveco!
Marcelão sente a honra ultrajada com mais aquele erro de julgamento, seu coração aeróbico de sobe pra freqüência de treino, a fim de detonar geral, mas Luana, ainda zonza, continua falando.
LUANA Muito melhor que homem! Mais louco, erótico, sensual... A transa deve ser um delírio! (AGARRA ELE DE NOVO, CHEIA DE TESÃO) Como é seu nome mesmo, hein?
Marcelão sente a pegada da deusa em chamas colada nele e responde, cheio de "graça" e malícia.
MARCELÃO Na identidade é Marcelo... mas, depois que assumi, mudei pra Sharlene.
E assim Marcelão Maia, 25 anos, carioca, solteiro, sarado, tudo de bom, tesão das patrícias do Pepê, desiste da festinha, e, de vestidinho, sombra e rímel, supera o rito de passagem e entende o sentido da vida, se transformando, enfim, de um garotão narcisista quase bobo num homem de verdade, acima de qualquer suspeita. Está escrito - a baton - nas histórias da madrugada.
(adaptado de roteiro inédito escrito por Juca Filho, Mauro Wilson e Péricles Barros)
Elas por Elas
Postado por Ratapulgo às 10.4.04 0 grudados
NOITE DE AUTÓGRAFOS NA EDITORA CARAS
“Meu livro vai ser um soco no estômago”, disse Arcelino de Freitas, o Popó, sobre sua autobiografia.
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“Meu livro será o retrato de uma geração, com cores fortes e jogando luz onde ninguém ainda havia ousado”, afirmou J. R. Duran, sobre seu photobook com top models.
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“Sei. A revelação do ano, não é?”, alfinetou Sebastião Salgado, que acabou na festa por engano (na verdade o release da editora anunciara que “haveria bebida e salgado no coquetel” e ele entendeu isso como um convite).
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“Meu livro vai dexar o público boquiaberto”, disse o odontólogo de Carmem Mayrink Veiga, a respeito de seu livro sobre técnicas ortodônticas, com incisivas fotos de antes e depois.
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“Meu livro vai deixar as pessoas antônimas”, declarou Narcisa Tamborindeguy, sobre a segunda parte de sua biografia “Que Loucura II – Uma Loucura”.
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“Meu livro vai deixar marcas nessa geração. Mas sai com Omo”, afirmou Chiquinho Scarpa, cujos exemplares de seu livro com dicas de horários para degustação de vinhos, “Tinto e Suave é à Noite”, recém-saídos da impressora, ainda soltavam tinta nas mãos dos leitores.
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“Deviam confiscar o livro dele”, disse, sobre a autobiografia de Popó, o juiz de direito e especialista em golpe baixo Rocha Mattos, afirmando, depois de umas doses de uísque, que “bater no estômago fere (riso abafado) as normas do boxe. Isso é que dá inserir gente de baixa extração nestes eventos”.
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“Vou mostrar a ele o que é baixa extração”, disse o odontólogo de Carmem Mayirink Veiga, também com algumas doses a mais, achando que o epíteto fora dirigido à sua especialidade, já pegando uma garrafa pelo gargalo, indo em direção ao outro e esbarrando no caminho em Marcos Frota – que afirmou à reportagem, emocionado: “Ainda é cedo para falar sobre a separação.”
Ao Mirante, Nelson!
Postado por Ratapulgo às 10.4.04 0 grudados
Eu falo, grito, esbravejo contra as tais da panelinhas, vcs sabem, né? Xingo, faço piada, ridularizo e tal, mas sabem o que é? Inveja. In-ve-ja. Eu queria desesperadamente fazer parte duma panelinha dessas. Queria ser amiguinha do dono da editora, puxar o saco dele prele me publicar. Queria ter um papai que me botasse dentro do jornal. Queria, ué, queria mesmo. Eu queria um esquema, sabem? Mas eu não sei. Não sei ir ao lançamento do livro do papagaio da tia do oculista da cozinheira e fazer amigos, e influenciar pessoas. Não sei fazer networking. E não falo isso com orgulho não, eu, o último bastião da moralidade e da ética, nada disso. Falo profundamente magoada. E com vergonha. Pq isso, em última instância, é incompetência, pura e simples, sem atenuantes. Mas depois dum dia como o de hoje, depois de traduzir mais de 20 páginas dum dos piores textos já escritos em qrr idioma, prum debilóide que já tem editora, que está escrevendo sob contrato, eu fico, sei lá. Com inveja. Despeitada. Magoada. Depois de receber a décima segunda carta de recusa de editora, eu fico assim. Com insônia. Pensando que caralho tou eu aos 33 anos fazendo da merda da minha vida. E com a certeza mais que absoluta, queeu tenho mesmo é que baixar a minha bolinha. Que bom que eu descobri o blog, onde dá pra escrever só pra ser feliz, sem grandes expectativas, só pela curtição. Pq vai ser só isso mesmo. E já tá bão, né? Tá. Enfim. E não, eu não quero tapinhas nas costas, bilhetinhos no LV de "sua hora vai chegar", nada disso. É só um desabafo. É só um chorinho de madrugada. Passou.
¡Drops da Fal!
Postado por Ratapulgo às 10.4.04 0 grudados
EXCESSO DE INFORMAÇÃO
Deixe-me ver se entendi: Waldomiro Diniz, pai de Maria Clara Diniz, é acusado de pôr as bombas naqueles trens em Madri, embora as suspeitas iniciais apontassem para Baiano Meloso, autor daquela música que fala em "eta, eta, eta". Meloso, por sua vez, acabou de lançar um disco só com músicas de Morris Albert vertidas para o djavanês, com José Serra nos backing vocals. Serra, por seu turno, é suspeito de envolvimento com Rodrigo Santoro no último grande escândalo do governo, as gravações clandestinas do Big Brother -que, segundo a Polícia Federal, também mostram Waldomiro Diniz tomando banho de cachoeira. Bingo! O círculo se fecha. Ou será que eu perdi alguma coisa?
puragoiaba
Postado por Ratapulgo às 10.4.04 0 grudados
7.4.04
O causador da sua insônia
Esta noite você me chutou enquanto dormia. Eu percebi, entre-sonos, sua agitação. Fiquei todo encolhido, só ouvindo seus movimentos. Você se virava de um lado para o outro, e depois do outro lado para o um. E eu lá, roncando meu ronco mais fingido, só para admirá-la como se fosse um intruso invisível.
Fazia calor no nosso quarto e me era quase impossível disfarçar a agitação de percebê-la acordada na penumbra quente da alcova. Fechava os olhos forte demais e, por certo, fazia uma careta,. Não sei como você não percebeu. Quando você me chutou, quase gritei, mas fingi que dormia e apenas falei algo ininteligível, como se sonhasse muito profundamente com algo que seu chute poderoso foi incapaz de atingir.
Na minha mentira, meu amor cresceu. Você se virou para mim, certa hora, e eu abri os olhos um tiquinho de nada, o suficiente para vê-la muito embaçada, no seu olhar apaixonado. Poucos homens têm este privilégio que é ver a mulher dormindo um semi-sono apaixonado. Minha malandragem, porém, quase deixa escapar um sorrisinho de felicidade. Temi; você poderia estar pensando que eu sonhava com outra, não é mesmo?
Você estava insone, inquieta. Me chutou, virou para mim e ficou me olhando longamente. Eu cansei de controlar o olhar fingido e virei para o outro lado. Fiz dengo e você me envolveu como se eu fosse um ursinho de pelúcia. Fazia calor, reclamei lá das profundezas da minha mentira. E a escutei se sentar na cama, olhando para o nada.
Virei de barriga para cima. Os ouvidos aguçados demais escutavam sua respiração. No silêncio da noite, seu inspirar e expirar eram inspiradores. Eu seria capaz de compor um poema cheio de lugares-comuns naquela mesma hora. De fato, acho que foi isso o que fiz, antes de pegar no sono de novo e dar uma roncadinha e acordar com meu próprio grunhido de homens das cavernas e abrir os olhos como quem não quer nada e surpreendê-la ainda ali, sentada, agora me encarando e rindo.
Na penumbra, seus contornos ganham inequívocos ares de mistérios, já cantados por um milhão de canções das quais não me recordo. Há os cabelos, que ficam ainda mais negros e, por que não?, lodosos. Tenho vontade de entrar no breu das suas mechas e fazer morada ali, entre um e outro fio de cabelo branco. O nariz desponta no seu rosto e, surpresa!, vai fazer sombra lá na parede, onde você fica parecendo uma deusa grega, perseguida por um gatinho curioso à caça da sombra intrusa. A boca fica ainda mais indecisa entre o sorriso e a seriedade. Os olhos são como pequenas estrelas perdidas na imensidão do quarto.
Eu a isso tudo vejo durante as noites em que você é a causadora da minha insônia. Noites em que você se transforma em observadora de mim, bicho selvagem andando pela casa à procura de sono. Como somos espelho um do outro, esta noite é minha vez de vê-la se levantar em passos meios perdidos, em direção ao banheiro. Você indo e eu encarando o gato que dorme abraçado e se sente tão carente quanto eu naquele minuto. Perguntamo-nos, gato e eu, quanto tempo pode demorar um xixi noturno. À noite sua ausência fica mais longa e mais insuportável.
Escuto a porta do banheiro se abrir e seus passos de volta à cama. Novamente sou fingidor de um sono que não me consola.
Você se deita ao meu lado, mas não pode ver. O resto da noite será todo orgulho: sou o causador da sua insônia, bem sei. E já faz tempo que nem eu nem você conseguimos passar a noite toda envoltos por Morfeu; porque ambos temos um compromisso. Na madrugada é que nos adoramos mais e mias; e no silêncio de nosso sono mentiroso e no cuidado do nosso despertar que acabamos por revelar um ou outro aquilo que a correria do dia nos impede, às vezes. É sob a luz da lua que nosso amor se revela. Na treva divina dos amantes.
O Polzonoff - inteligência e leveza andam juntas
Postado por Ratapulgo às 7.4.04 0 grudados
Eu que não sei da tua vida, não ganho tuas noites de presente, eu que não vejo teus sorrisos de despedida. Eu que não me permito a morte por afogamento nos pêlos do teu peito, nem adivinho surpresas no teu olhar, eu que não saio daqui nesse exato momento e não te levo pra caminhar no sol, na chuva, no vento. Eu que não te faço comida, eu que não te dou a medida do que em mim consome. Eu que não espero teus passos no corredor, não te chamo de meu amor, eu que não digo teu nome. Eu que não vivo e vou morrendo de fome.
Não Discuto
Postado por Ratapulgo às 7.4.04 0 grudados
Belo e sua gangue
A busca do belo, bom e virtuoso é, meramente, uma fase da vida, mui necessária para que o gosto de alguém não se torne hediondo [exceção feita ao artista, cuja auto-censura (ou autocrítica) deve ser um poucochinho maior], e a pessoa possa se melhor entreter ou destruir.
Muita meda da gangue do belo. Tanto de quem aprecia o narcosinger, quanto dos profetas da beleza, étimo tão controverso... E não porque o carimbador maluco da beleza, em vez de aproveitar uma obra, vá se sobressaltar a cada imperfeição, mas devido às estéticas. Duh.
Ah, deus meu, as estéticas.. Desfaço-me de vários livros, folheio partes de cada antes, para certificar-me da correção de minhas decisões. Um dos muitos que jazem sobre a mesa de minha sala descupinizada tem já em sua página inicial os seguintes dizeres:
"O belo artístico é superior ao belo natural, por ser um produto do espírito que, superior à natureza, comunica esta superioridade aos seus produtos e, por conseguinte, à arte (...) Tudo quanto provém do espírito é superior ao que existe na natureza; a pior das idéias que perpasse pelo espírito de um homem é melhor e mais elevada do que a mais grandiosa produção da natureza..."
Não me expliquem, não quero explicações, doarei o livro pra não escutar. Prefiro não entender. Não me macem sobretudo.
Keywords: belo, sócrates, karametade, pau no cu da natureza do mal.
(...)
Ezequiel 25:17
Pior que escrever metrificado é a moda de encher o texto de citações e achar que os outros têm a obrigação de saber. O texto tem de ser bom, a pessoa conhecendo ou não a citação.
Quem só fala por citação é picareta, e esta é a razão por que T.S.Eliot não presta, e tampouco os Simpsons. Perdôo estes por serem desenho animado humorístico; aquele, porque é velho, de um tempo confuso, tinha talento, e escreveu sobre gatos.
Também perdôo os protestantes da vizinhança, que cantam sem parar, e só param pra tentar converter os pobres transeuntes, pois irão para o inferno das boas intenções.
Perdôo Dostoievsky, pois não creio que tenha dito aquela frase que lhe sempre atribuem. E perdôo também quem disser que "Se Deus é misericordioso, então vale tudo."
dies iræ
Postado por Ratapulgo às 7.4.04 0 grudados
Os tímidos sofrem de impotência dos olhos; queriam mantê-los lá em cima, lá em cima, impudicamente fixos no outro par de olhos, nas alturas gloriosas; mas eles insistem em cair no prato de nachos. Dos nachos, veja como os olhos do tímido abaixam ainda mais um pouco, aparentemente interessadíssimos em acompanhar o movimento insistente do polegar do próprio tímido, deslizando na alça úmida da caneca de cerveja com suavidades de amante; morte aos tímidos, eis tudo.
Alexandre Soares Silva
Postado por Jan às 7.4.04 0 grudados
5.4.04
Ela nem havia nascido direito e já estava pintando os dedinhos. Sempre se esquecia de ler quando apoiava a mão na estante de livros e descobria uma unha descascada entre duas lombadas. Piccola biografia. Só gostava de ir à praia no Leblon, almoçar na Gávea e ir ao cinema na Barra, onde eu ia assim fritando o meu fígado. Eu não podia reclamar porque também só havia atravessado o túnel depois dos 18 anos. A televisão está ligada no BBB enquanto tiro um cochilo com um livro de Cesário Verde no colo na página de
"Naquele "pic-nique" de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas."
Piesporter Michelsberg é o nome do vinho alemão vagabundo que estou bebendo. Comprei ontem uma caixa. Muriel está no celular comentando o que vejo na tv com alguém que não sei quem é chamado Andre, sem acento. Ontem Muriel disse que Andre leu meus poemas inacabados que deixei sobre a mesa do escritório. Eu não sei quando Andre esteve aqui e quem lhe deu permissão para entrar no meu escritório na minha ausência. Muriel concluiu a história dizendo que Andre achou que eu escrevo "parecido" com Sá de Miranda. Claro que ele não entende nada de poesia, eu disse. Muriel revirou os olhos e mudou de canal. Aqui em casa as conversas nunca acabam no mesmo dia. "Precisamos trocar as capas das almofadas" por exemplo já dura umas duas semanas. Há seis meses Muriel não consegue entender por que não quero publicar livros, embora escreva freneticamente. Eu já expliquei umas 180 vezes, mas é como o vento, ela fecha as janelas. Mesmo assim continuamos ouvindo o vizinho que tosse. Uma tosse seca que atravessa a noite, nos acorda de madrugada e avisa quando está saindo lá do corredor do prédio pela manhã. Muriel tem andado histérica por isso. Final do ano mudamos para uma casa, prometo. Ela joga o resto da torrada sobre a mesa, me dá um beijo e bate a porta. Procuro Cesário Verde no fundo do sofá onde acho que o perdi e encontro o controle remoto. Mais tarde Muriel gostará de saber que aprendi na tv os benefícios à coluna que só os colchões da Filadélfia poderão nos trazer.
Prosa Caotica
Postado por Ratapulgo às 5.4.04 0 grudados